domingo, 24 de julho de 2011

“JUSTICE EST FAITE’


A  rotina escolar foi montada, há séculos, Segundo o dogma do “pecado original” (sem vigilancia e coação o homem tenderia a degenerar): é a policia que impede que todos sejamos criminosos?!!!


Em latim, a palavra “comportamento” – tão usada nos colégios, hoje em dia – trazia a idéia de ação, de transporte, de movimento, de condução. A raiz  porta e porto não se associava a “fechar”, mas a “abrir”: porto – era o lugar de “abrigo” e não era uma prisão. A porta abria para a vida, não fechava, não continha, não enclausurava... Em vez de caminharmos para a liberdade, de então para cá, construímos a escravidão. O porto não é mais o abrigo para a nave desgarrada. É o lugar onde a alfândega cobra seus direitos. A porta não  é um convite aos irmãos  para que entrem em nosso lar, é o símbolo da separação, de nosso individualismo. Podemos acompanhar, pela semântica da palavra, a evolução (ou melhor, a involução) da idéia de comunicação, de irmandade, de liberdade. Comporta, por exemplo, e alguma coisa que contem, que separa, que limita. Abrir as comportas é libertar, coisa que causa arrepio na humanidade bem “comportada”. A civilização tem sido continuo construir de “comportas”, de “cortinas”, de separações, de privilégios, de grupinhos fechados, de “panelinhas”. A coisa pública, de pública tem apenas o nome. De fato, pequeno grupo entra nela e fecha a “porta”, enquanto o povo passa ao largo. Cada serviço público tem dono, que contrói pesadas portas em seus domínios, deixando abertos somente os canais através dos quais o povo sustenta, com os impostos, a sua vida parasitaria.
A escola arquitetada para servir a esse tipo de sociedade, tem como supremo dogma de validade o comportamento. Aquele aluno e brilhante, e estudioso, e alegre, e amigo dos companheiros, mas e mal comportado... Uma tragédia! Que pena!
Ser comportado é estar contido, serenamente, dentro das comportas! E não perturbar a quietude. Em cada escola, conforme a filosofia de vida que prevalece, conforme o temperamento autoritário ou liberal do diretor, conforme os  preconceitos e as idiossincrasias dos mestres, ser comportado é coisa inteiramente diferente. Um aluno transfere-se de um colégio para outro: tem que aprender a “se comportar” de novo, pois aqui as leis do comportamento são diferentes, o diretor e tolerante, os professores são mansos...
Cada escola tem sua própria forma. Aquele menino doentio, apático, mórbido, que esta precisando  de sacolejos  energéticos  para aprender a viver e a defender-se, tira sempre 10 (dez) em comportamento! Aquele outro vivo, tem iniciativas, experimenta condutas, erra, tenta ajustar-se a novas formas de vida, lidera, conduz os companheiros: apesar da simpatia que desperta, infelizmente, não pode tirar 10 (dez) em comportamento... Quanto mais sossegado, quanto mais  apático  (mesmo que essa apatia seja causada pela profunda verminose) mais credenciado esta o rapaz ou a moça para o dez do comportamento! Comportamento, evidentemente, é “não dar  trabalho ao educador”, e não exigir esforço de orientação, e ser  despersonalizado, tímido, cordato, abúlico. Que raça de homens estamos formando?
É de enrubescer o simplismo inconseqüente e primário com que certos educadores senteciam sobre a conduta dos jovens. Todas as frustrações do mestre transudam de seus veredictos com a ousadia irresponsável dos que desconhecem as verdadeiras dimensões da alma humana. Não e um julgamento que proferem: e vingança surda por não conseguir o controle absoluto de alguns rebeldes. Como há jovens que não mordem o pó da terra se rojam aos pés do domador... o ferrete de mau comportamento vinga o fracasso. E a moeda corrente nas escolas com que se paga a submissão cujo cambio oscila de acordo com a hepatite da direção...
Se perguntássemos, ex-abrupto, a esses Salomões o que e bom comportamento, talvez não soubessem dizer. O “código” e um amontoado individualista de preconceitos, muita vez evidente forma de compensação por evidentes  frustrações  pessoais. Quem sabe da complexidade infinita da motivações possíveis da conduta do ser humano, arrepia-se de espanto diante da tranquila infabilidade desses juízes ranzinzas e vingativos.Por vezes, quem decide sobre o comportamento dos jovens são macróbios enfezados para quem a cristalina gargalhada da juventude e ofensa imperdoável...
Os jovens possuem seus próprios padrões de conduta inacessíveis aos adultos. E preciso, pois, montar o processo de vida escolar de tal modo que não seja o arbítrio ressentido dos velhos que decida sobre o comportamento dos jovens, permitindo que eles próprios aprendam a se autodirigirem. E a esse processo que se da o nome de dinâmica de grupo. Dinâmica de grupo e um processo de organização livre do comportamento: comportamento e apenas um comportamento mutuo.
Lauro de Oliveira Lima
Livro Conflitos no Lar e na Escola
Cap. 16

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Inteligência: coisa desnecessária


‘’Só entre quem souber geometria’’ (Platão) – A necrofilia dos planejadores de programas escolares – Precisa-se de um embriologista -  A planta e os materiais de construção.’’

O código genético de cada espécie animal contém as características dos filhotes que vão ser gerados pelos pais. Evidentemente estas características não são, simplesmente, ‘’estampadas’’ como se se tratasse de um carimbo: ‘’os genes não agem como solistas, mas como orquestra’’ – diz um grande biólogo moderno. Toda construção física, química, biológica, psicológica, sociológica funciona como uma dinâmica de grupo: não existem fatalidades, mas probabilidades. Sequer trata de ‘’características’’, mas de caminhos (creodos), como a planta de uma futura construção. A planta só se ‘’realiza’’ (torna-se real) se o engenheiro dispuser de material adequado para a concentração da concepção do arquiteto. E ela interage com o meio: o material disponível no meio determina a possibilidade da maior ou menor realização integral do projeto. Material inconveniente inserido, por acaso, na construção pode determinar deformações, como no caso da talidomida, a droga que degenerou a gestação de milhares de crianças do mundo.
Tudo que não for brincadeira (atividade lúdica) é impróprio para criança.
Jean Piaget afirma que a construção das estruturas motoras, verbais e mentais da criança repete,  ipsis literis, o processo embriológico: o sistema neurônico representa a planta (código genético) e as estimulações do meio (provocações, desafios, situações) o material com que se vai construir o comportamento (motor, verbal e mental). ‘’A hereditariedade – diz ele – cria apenas possibilidades ‘’: a construção depende do meio. Ao longo dos primeiros dezesseis anos de idade, a criança vai desenvolvendo o sistema nervoso e pondo-o em relação com o meio, na tentativa de construir seu comportamento. Cada patamar de maturação nervosa cria novas possibilidades de relacionamento com o meio, podendo ocorrer que o meio não disponha de elementos que respondam ao leque de probabilidades criadas pela maturação nervosa. Neste caso, a maturação prossegue sem realizar todas as possibilidades abertas, com conseqüências para todo o posterior desenvolvimento (‘’é preciso malhar o ferro enquanto está quente’’ – diz W. James).
Os programas e currículos devem estar a serviço da maturação, jamais transformando-se em know-how.
A escola representa (devia representar) um tipo de meio altamente enriquecido – mais rico que o meio natural – a fim de propiciar o desenvolvimento das complexas operações concretas e abstratas. Numa tribo selvagem, o desenvolvimento ‘’natural’’ não vai além do pensamento simbólico gerador de lendas, mitos e magia. A escola representa uma maturação artificial (como enfurnar bananas para amadurecer).
Quanto mais jovem a criança (maternal, jardim e escola elementar), mais a escola deveria estar a serviço do desenvolvimento mental ( nesta idade não tem ainda valor o know-how da comunidade: profissionalização, por exemplo). Daí a atividade da criança ser ‘’aleatória’’ : totalmente lúdica, por oposição ao ‘’trabalho’’ dos adultos (quanto mais lúdicos os membros de uma comunidade, mais elementar é seu desenvolvimento mental, salvo se a  ludicidade se tornar operatória e planejada). Exemplifiquemos: a leitura é um know-how altamente sofisticado da sociedade, mas não corresponde a uma estimulação especifica – dirigida e adequada – para o desenvolvimento mental. Pois em grande parte a leitura não tem nada de inteligente, sobretudo ensinada por métodos de exercitação.
Ora, os administradores e o magistério primário dedicam um, dois, três anos à tarefa de habilitar a criança nesta destreza (substituição do código oral pelo código escrito, mesmo que haja muitas possibilidades de usar o mecanismo a duras penas  adquirido). Trata-se de imposição, puramente, sócio-cultural. Pais, autoridades, comunidade, todos cobram das crianças de seus/sete anos habilidades na leitura (alfabetização). Enquanto isto, deixa-se de lado a estimulação das operações lógico-matemáticas   e das operações infralógicas (geometria). Pode, portanto, ocorrer que a fúria alfabetizadora, dirigida contra crianças pequenas, seja fator de frenagem de seu desenvolvimento mental, se outras agências sociais não cuidarem, sistemática ou aleatoriamente, do progresso das estruturas mentais.
Os psicogeneticistas é que irão transformar, pela base, a escola elementar.
Até agora, os planejadores (ah! Os planejadores) arrolam, apenas, os conteúdos que a seu ver são necessários à vida social da criança. Evidentemente, para eles, o desenvolvimento da inteligência é inútil. A grande revolução pedagógica só ocorrerá quando se der uma ‘’revolução copernicana’’: em vez de se enumerar as habilidades desejáveis, pensar-se em situações estimuladoras do desenvolvimento mental, sejam elas úteis ou não ao processo de inserção social da criança. Exagerando um pouco, pode-se dizer que os planos, programas e currículos funcionam para a mente como a taladomida para a integridade somática...Quando na cúpula do sistema escola estiverem especialistas em psicogenética, o curso elementar será, sobretudo, um ‘’treinamento’’ para desenvolver as estruturas elementares da lógica e da pré-matemática, uma atividade predominantemente geometrizante.

Lauro de Oliveira Lima
Temas Piagetianos – pg.85
Setembro, 1981

quarta-feira, 20 de julho de 2011

E a criança o que é?


Os educadores deviam aprender com os veterinários – O código de menores é uma aberração – Relojoeiros não conserta computador – Os três nascimentos do filhote humano – Os índios são crianças grandes...

Poucas pessoas atentam para o fato de o ser humano (diferentemente de todos os outros animais) ter três planos de crescimento: biológico (crescimento físico de caráter anátomo-fisiológico e neurológico); psicológico (desenvolvimento mental que tende para uma logicização progressiva até alcançar o pensamento hipotético-dedutivo ou lógico-matemático); sociológico (lenta e progressiva integração no corpo sócio-cultural adulto com a assimilação das regras, valores e símbolos fabricados pelas gerações anteriores). Esta ‘’integração progressiva’’ , por sua vez, pode ser pacífica (iniciação) ou traumática (conflito de gerações), fato que determina a frenagem ou o processo do grupo social.  As crianças, até certa idade, estão imunes aos processos sócio-culturais: fabricam sua própria sociologia.

A psicossociologia descobriu que o crescimento da criança não é linear, como se supunha. A partir da fecundação, o filhote humano alcança patamares sucessivos, com características tão diferenciadas, que quase se pode afirmar a existência de ‘’animais’’ diferentes em cada um desses estádios. Como pode, por exemplo, uma criança tipicamente esquizofrênica (entre 3 e 6 anos) transformar-se num autêntico ‘’engenheiro’’ , preocupado com construções e engrenagens, logo no período seguinte (entre 6 e 10 anos)? Como pode a graciosa incoerência de uma criança pré-operatória transformar-se em rígida e implacável ‘’necessidade lógica’’? Como pode o submisso ‘’servo’’ , que luta pelo privilégio de ir buscar os chinelos do pai, transformar-se no ‘’contestador’’ , que zomba, à socapa, das idéias anacrônicas do ‘’velho’’ ?
 Não se diga que ‘’a sociedade ensina essas coisas às crianças’’, pois todos os membros da sociedade já foram crianças com essas características. Não houve uma pré- sociedade para ‘’doutrinar’’ as primeiras crianças. A sociedade foi construída pelas crianças que se foram desenvolvendo. Sabemos de sociedade que, por circunstâncias pouco explicadas, param seu desenvolvimento numa das etapas que encontramos hoje na criança do meio ‘’civilizado’’ (nossos indígenas não alcançam, quando adultos, as chamadas operações concretas: classificar, seriar, numerar, medir, partir, deslocar, intuições geométricas, etc...) Ainda não foram encontradas todas as etapas do desenvolvimento ( é só uma questão de tempo), mas os psicólogos e os sociólogos (microssociologia) já as determinaram, nitidamente, tanto do ponto de vista cognitivo (Piaget: capacidade operativa do pensamento para enfrentar a realidade), quando do ponto de vista afetivo (Freud regulação do fluxo energético das ações e determinação da escala dos valores). Quando a criança alcança um dos patamares (estádios) do seu desenvolvimento, aí permanece durante um tempo variável, apresentando, durante o período, tipologia inconfundível. Deste modo não tem sentido frases como ‘’a educação das crianças’’.
      A graciosa e romântica ‘’inocência’’ da criança é, apenas, a característica de um dos seus níveis mentais.
A assistência que os técnicos dão às máquinas varia com seu grau de complexidade:  o mecânico que conserta uma bicicleta não está, ipso facto, habilitado a consertar um relógio ou computador...Só que, com relação às crianças, a complexidade é decrescente: quanto menor a criança, mais habilidoso deve ser o ‘’mecânico’’ (educador). Piaget diz mesmo que, no futuro, os especialistas mais competentes serão reservador para cuidar das crianças menores (o que leva a crer que não tem muita importância a ‘’habilidade’’ dos professores universitários: os alunos da universidade já são capazes de funcionar sem ‘’mecânico’’...). Todos que lidam com crianças (pais, pediatras, psicoterapeutas, juízes de menores etc...) têm, hoje, o dever de capacitar-se para diagnosticar, com precisão absoluta, o estádio em que está a criança com que lida. O código de menores e o código de censura, por exemplo, são amontoados de asneiras que afrontam os mais elementares resultados da pesquisa psicossociológica (conceitos como o de ‘’excepcionalidade’’ e o de ‘’menor’’ são verdadeiras aberrações).

 Alcançar todos os patamares não é uma fatalidade: é logo e penoso esforço que nem todos fazem...
Nas escolas, os professores ‘’inventam’’ métodos de alfabetização que violam, às vezes, as características do patamar de desenvolvimento em que se encontra a criança. A maioria dos psicoterapeutas jamais indaga sobre o mecanismo cognitivo das crianças que lhes são  entregues para ‘’curar a afetividade’’ (sic). Os educadores, juízes de menores, terapeutas, etc., deviam fazer estágio numa clinica veterinária para aprender que as crianças são animais, de acordo com seus níveis de desenvolvimento. Um veterinário não se trata da mesma forma uma galinha e um elefante...

Hoje se sabe que não tem sentido a ‘’integração vertical’’ dos cursos (etapas escolares): no futuro, os graus escolares serão separados, radical e sofisticadamente: voltaresmos a ter o ‘’curso primário’’ rigorosamente diferente do ‘’curso ginasial’’. A experiência humana é válida: existe mesmo a ‘’idade do uso da razão’’ de que falam os padres...

Lauro de Oliveira Lima
(Temas Piagetianos - Editora Ao Livro Técnico)
Outubro, 1980

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Um bebê na universidade

Infância acelerada – Envelhecimento precoce – Onde querem chegar? – know-how ou estruturas de pensamento? – A ‘’corrida ao pau-de-sebo’’ – Diploma ou revólver?

Depois do bebê de proveta, os cientistas conseguirão, um dia, abreviar o tempo de gestação para trinta dias? Por mais incômoda que possa ser a gravidez, as mães, em geral, conformam-se com este indispensável prazo biológico, não havendo noticia de que tenham tentado de alguma forma, apressar o ciclo de desenvolvimento do embrião. O mesmo fazem os agricultores: esperam, pacientemente, que a semente germine e a planta cresça com seu próprio ritmo (o agricultor, necessariamente, tem que aprender a ter paciência, esperança e previsão). Quando o crescimento biológico perde seu ritmo natural, transforma-se em “câncer”, deformando o projeto contido no código genético. O pecuarista conhece o tempo necessário para a cria crescer e os momentos de separá-la da mãe, de engorda, de venda, de produção. Tudo ocorre tranquilamente, de acordo com o tempo determinado pelo crescimento biológico.

Os seres humanos tentam acelerar a infância e retardar a velhice, mas não conseguem modificar a rotação da Terra...

Com o ser humano, de maneira estranha, logo que a criança nasce, inicia-se violenta pressão para que supere, rapidamente, suas etapas de crescimento. Ora, os biologistas verificam que, quanto mais longa a infância de um animal, mais feito ele é como adulto. Quando perguntavam a Piaget se se podia “acelerar” o desenvolvimento das crianças, ele respondia, invariavelmente, que “isto é um problema de americanos”. Segundo ele, os americanos estão obsessivamente preocupados em acelerar o crescimento das crianças ao invés de ampliar, o mais possível, os estágios de desenvolvimento e criar amplas bases para as etapas seguintes. Como o desenvolvimento é uma complexa construção (interação entre o organismo e o meio), quanto mais tranqüilo processo, mais ricos serão os resultados das combinações que ocorrerão. Algo parecido com a revelação progressivo de uma chapa fotográfica tirada com a câmera Polaroid: é preciso dar tempo para que as combinações ocorram e ampliem sua funcionalidade com a interação com o meio. Cada nova estrutura deve ser amplamente experimentada pela criança.

Há tempo próprio, e removível, para falar, rastejar, andar e aprender a ler: violar este ritmo implica em distúrbios mentais.

Quem trabalha com crianças pequenas, em escolas maternais e em jardins de infância, conhece a “corrida ao pau-de-sebo”. Enquanto a criança não aprendeu a ler, os pais toleram que a escola experimente os mais diversos métodos e que siga as teorias mais modernas. Mas quando chega a idade tradicional de alfabetização (entre 6 e 7 anos) os pais perguntam se tudo aquilo (a pedagogia) não é apenas brincadeira e diversão. É que a alfabetização é o primeiro know-how contabilizável, isto é, com valor econômico, numa sociedade competitiva. De repente, ficam angustiados, vigiando se a criança aprendeu não a ler... Daí pra frente, o problema é fazer a criança entrar na corrida curricular, transpor rapidamente o primário, entrar no ginasial e, finalmente, o mais cedo possível, enfrentar o vestibular. Transposta esta barreira, cessa a angústia: o garoto está equipado para a luta pela vida. Ninguém pergunta se obedeceram aos ritmos de amadurecimento, se a escola realmente deu oportunidade à estruturação mental, se a criança foi feliz durante esse período de crescimento. Todas as deformações possíveis e aí estão as logopedistas para corrigi-las.
A universidade é um processo de reflexão só acessível a adultos plenamente maduros.
A alfabetização nada tem a ver com o desenvolvimento da criança, sendo apenas um know-how altamente valorizado no mercado da competição (aprendizagem de um código que exige certos amadurecimentos fisiológicos e psicológicos que jamais são verificados). A entrada no curso ginasial (5.ª a 8.ª séries do 1° Grau), por exemplo, exige o amadurecimento das estruturas lógico-abstratas, em o que toda aprendizagem transforma-se em mera justaposição, que logo é eliminada por falta de estruturas de assimilação. A entrada na universidade só deveria ser feita depois de, digamos, 21 anos, quando o jovem tivesse plena maturidade para manipular a complexidade dos processos científicos. O resultado é uma chusma de doutorezinhos imaturos e semi-letrados, sem o mínimo poder de reflexão, com a cabeça cheia de coisas decoradas. Mas, os pais estão felizes de lhes ter fornecido o diploma, espécie de tacape com que enfrentarão os adversários na ‘’luta por um lugar ao sol’’. O resultado é semelhante ao que se obtém amadurecendo frutas à força, por processos artificiais... E para onde vão todos nessa corrida? Perde-se o sentido de viver a vida em troca de subir rápido no ‘’pau-de-sebo’’.

Temas Piagetianos - Lauro de Oliveira Lima
Março, 1981

sábado, 2 de julho de 2011

A fúria escolar da alfabetização


Não há neuróticos suficientes – A indústria dos métodos de leitura –Os bizarros nomes das letras – Pânico nas classes de alfabetização – Quem lê jornal no Brasil?
    Toda organização e planejamento do pré-escolar e do curso elementar (primário ou primeiro graus) giram em torno da alfabetização. Entretanto, a alfabetização (leitura e escrita) é um instrumento civilizatório artificial, empírico, arcaico e de alta complexidade matemática (baseia-se em permutas e combinações de letras e sílabas, mecanismo mental que só amadurece nas crianças em idade avançadas, quase no limitar das operações abstratas). Jamais se indagou que processos mentais estão em curso na psicogenética das crianças de seis/sete a dez/onze anos, período em que a escola tenta a ferro e fogo, com os mais bizarros métodos, alfabetizar as crianças.
    O investimento em alfabetização de crianças é ocioso, perdulário e demagógico.
    A compreensão do código da escrita/leitura exige altos níveis de desenvolvimento mental (um adulto, normalmente desenvolvido, pode aprender este código em algumas horas). Se logo após alfabetizada, a criança dispusesse de bibliotecas, livros, jornais, revistas, etc., a alfabetização abriria para ela um maravilhoso mundo de informações. Mas, não dispondo destes recursos, a criança não cria o hábito da leitura, conseguindo chegar à pós-graduação sem ler um livro seque, sem acompanhar os acontecimentos pela imprensa, sem penetrar no mundo da literatura (a revista popular de maior tiragem no Brasil não chegava a vender 500 mil exemplares, numa população de 120 milhões de indivíduos). Hoje, mais privilegiadas do que há 50 anos, as crianças dispõem de meios de informação abundantes, que dispensam, totalmente, a leitura. É o caso dos discos, fitas magnéticas, cinema, televisão, entre outros...
Em que idade, afinal, deve ser ensinada às crianças o pouco inteligente know-how da alfabetização? Há dois aspectos a considerar. 1) em que idade a leitura torna-se um instrumento indispensável para a progressão intelectual? ; 2) em que idade as crianças são capazes de manejar os mecanismos matemáticos das permutas e combinações? Importante, também, é saber se a escola consegue criar hábitos de leitura, sem o que todo o esforço massacrante da alfabetização é inútil. Basta observar a regressão que se verifica quando o know-how não é utilizado: as crianças que passam um ou dois anos nas escolas e não conseguem dar continuidade ao aprendizado são candidatas à desalfabetização. Como se vê, reina imensa balbúrdia em torno da alfabetização das crianças, talvez porque tudo é feito empiricamente, através de técnicas consideradas mágicas (não há base cientifica nos métodos empregados... e são centenas!).
Onde encontrar bibliotecas para os 20 milhões de crianças, que o Governo diz estarem matriculadas no primário?
Tudo começa com o ensino do alfabeto (a convenção mais absurda, aleatória e pleonástica que a humanidade já criou). Ensinam às crianças que o sinal F chama-se efe H chama-se ‘’agá’’ e assim por diante. Quando a criança se defronta com a palavra FOLHA, tende a lê-la com os nomes das letras que lhe ensinaram, e temos: Efe/O/Ele/Agá/A...É possível adivinhar como se lê FOLHA? Em geral, as crianças que aprendem os nomes das letras apresentam imensa dificuldade para aprender a ler, coisa que os alfabetizadores parecem não notar. É raro o alfabetizador que atenta para o fato de que o código da escrita é uma permutação/combinação de letras e de sílabas. Uma vez percebido (compreendido) o código, resta decorar as convenções gráficas. Hoje se sabe que existe um método de alfabetização ara cada nível mental (as crianças pre-operatórias aprendem a ler através de gestalten, por exemplo; os adultos de Paulo Freire aprendiam a ler em 40 horas)...
Há crianças que levam três a quatro anos para alfabetizarem-se. Paulo Freire garante que alfabetiza em 40 horas.
É lamentável o massacre das crianças na fúria de fazê-las aprender os seis sons do ‘’X’’. Lamentável, também, a profunda frustração das professorinhas que não conseguem ensinar crianças a ler. O resultado é desperdiçarem-se anos seguidos com esforço falaz de alfabetização, em detrimento da estimulação dos processos mentais operatórios. Provavelmente, a ‘’fúria escolar da alfabetização’’ deriva do fato de os professores só imaginarem a atividade escolar através do binômio leitura/escrita. Realmente, o que faria um professor comum, tradicional, se não contasse com a capacidade de leitura/escrita dos seus alunos. Um bom teste, de capacidade pedagógica seria verificar se o professor é capaz de ‘’dar aula’’ (sic) sem usar estes recursos. Ora, o desenvolvimento da inteligência nada (nada, mesmo) tem a ver com a leitura e a escrita. Está na hora de parar e reexaminar esta história de alfabetização. Está na hora de ensinar às professorinhas um mínimo de psicogenética. Por que não colocar nas escolas um especialista em desenvolvimento intelectual das crianças (um psicogeneticista). Está aí um imenso mercado de trabalho para os psicólogos que não encontram neuróticos suficientes.

Lauro de Oliveira Lima 
Temas Piagetianos - Editora Ao Livro Técnico
Junho, 1981
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...