quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Alunos analfabetos


Frei Betto
No primeiro semestre deste ano, aplicou-se a Prova ABC (Avaliação Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização) em turmas de alunos que concluíram o 3º ano do ensino fundamental, em todas as capitais do país.Uma iniciativa do movimento Todos pela Educação com o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).

O resultado é alarmante. Constatou-se que 43,9% dos alunos são deficientes em leitura e 46,6% em escrita. Ou seja, são semialfabetizados. Não captam o significado do que leem e redigem uma simples carta com graves erros de sintaxe e concordância.

Quanto à leitura, quase metade (48,6%) dos alunos da rede pública correspondeu ao resultado esperado. Na rede de escolas particulares, o desempenho foi bem melhor: 79%. No item escrita tiveram bom resultado apenas 43,9% dos alunos da rede pública. Na rede particular, 86,2% dos alunos se saíram bem em redação.

Os índices demonstram que, no Brasil, a desigualdade social se alia à desigualdade educacional. Alunos da rede pública, oriundos, na maioria, de famílias de baixa renda, não trazem de berço o hábito de leitura.Seus pais possuem baixa escolaridade e o livro não é considerado um bem essencial a ser adquirido, como ocorre em famílias de renda mais elevada.

De qualquer modo, é preocupante o fato de alunos, tanto da rede pública quanto da particular, não atingirem 100% de alfabetização ao concluir o 3º ano do ensino fundamental. O que demonstra falta de método de alfabetização, embora esta seja a nação que gerou Paulo Freire.

Uma criança que, aos 8 anos, tem dificuldade de leitura e escrita, sente-se incapaz de lidar com os textos de outras disciplinas escolares, o que prejudicará seu aprendizado. Uma alfabetização incompleta constitui um incentivo ao abandono da escola ou a uma escolaridade medíocre.

É hora de se perguntar se a progressão automática, isto é, fazer o aluno passar de ano sem provar estar em condições, é uma pedagogia recomendável. Com certeza, no futuro, o adulto com insuficiente escolaridade não merecerá aprovação automática em empregos que exigem concurso equalificação.

Priscila Cruz, do Todos pela Educação, frisa a importânciada educação infantil (creches, jardim da infância etc.) para dar à criança uma boa alfabetização. Para que se desperte na criança a facilidade de síntese cognitiva é importante que ela comece a ouvir histórias ainda no ventre materno.

O Brasil é um país às avessas. A Constituição de 1988 cometeu o erro de incumbir a União do ensino superior, o estado do ensino médio, e o município do ensino fundamental. Ora, uma nação se faz sem educação. E a base reside no ensino fundamental. Dele devia cuidar o MEC.

Nenhum governo implementou, ainda, a revolução educacional sonhada por Anísio Teixeira, Lauro de Oliveira Lima, Paulo Freire e tantos outros educadores. Como acreditar que apenas 4 horas de permanência na escola são suficientes para uma boa educação? Por que os alunos não permanecem de 6 a 8 horas por dia na escola, como ocorre em tantos países?

No Brasil, 10% da população adulta são considerados analfabetos. No Chile, 3,4%. Na Argentina, 2,8%. No Uruguai, 2%. Em Cuba e na Bolívia, 0%.

Outros fatores que contribuem para a semialfabetização são o desinteresse dos pais pelo desempenho escolar do filho e o longo tempo que este dedica à TV e a navegar aleatoriamente na internet. Nessa era imagética, há o sério risco de se multiplicar o número de analfabetos funcionais ou de alfabetizados iletrados, aqueles que sabem ler, mas não interpretar o texto, e muito menos evitar erros primários na escrita.

O governo deve à nação uma eficiente campanha nacional de alfabetização, inclusive entre alunos dos 3º e 4º anos. Para isso, há que ter método. Há vários. Quem se interessar por um realmente eficiente, basta indagar do deputado Tiririca como ele se alfabetizou em dois meses, a tempo de obter seu diploma na Justiça Eleitoral.

[Frei Betto é escritor, autor de "Alfabetto – autobiografiaescolar” (Ática), entre outros, http://www.freibetto.org- twitter:@freibetto.
Copyright 2011 – FREI BETTO – Não é permitida a reproduçãodeste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, semautorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberádiretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária(mhpal@terra.com.br)].

sábado, 12 de novembro de 2011

Os papéis do professor e do aluno


" ... haverá uma revolução no que concerne aos papéis de aluno e de professor."

   O professor-informador e o aluno-ouvinte serão substituídos pelo "professor-animador" e o "aluno-pesquisador", mutação que já pode ser realizada amanhã, pois não exige investimentos com recursos materiais. O problema da pesquisa versus ensino será superado pela generalização da pesquisa: tudo na escola do futuro será atividade de indagação e desalio para descoberta de soluções novas. A velocidade da substituição do conhecimento eliminará a idéia de ensino e desafiará a pesquisa em todos os domínios mesmo das crianças do jardim de infância (ver Arte Infantil). A escola não será a "casa dos professores", mas a "casa das crianças" como já queria Montessori. A medida de sua organização não será o adulto, mas seus mini-habitantes. Como na Idade Média, quando foram fundadas as universidades, os professores serão escolhidos pelo aluno, uma vez que serão meros "experts" a sua disposição. É mesmo possível que a função de professor desapareça por generalização: todos os adultos passarão  a ser "professores" das novas gerações, como foi na aldeia tribal ... A idéia de ensino será substituída por uma auto-aprendizagem (ver A ESCOLA SECUNDÁRIA MODERNA), cabendo ao professor criar situações (animador) em que os jovens se disponham a utilizar a informação de que está prenhe o ambiente. Ora, utilizar a informação do ambiente é, simplesmente, pesquisar. A atividade do aluno não se distinguirá, fundamentalmente, da do cientista. Não se tratará, como diz Mcluhan, da mera dramatização do processo de redescoberta, mas de uma atividade, realmente, original. Dado a velocidade da mudança, o desafio que se proporá ao aluno versará sobre o "próximo passo", disparando um processo universal de criatividade. Também o operário da fábrica será desafiado  a inventar a próxima máquina dando, realmente, um sentido construtivista universal à atividade humana. Em vez de cultivar-se a tradição, projetar-se-á, permanentemente, o futuro. Em vez de estudar-se a história, far-se-á prospectiva. Ora, tudo isso retira ao professor seu trunfo histórico de "depositário de conhecimento": ele terá que colocar-se perante o desafio na mesma posição indagadora do aluno, podendo seus resultados ser inferiores aos obtidos pelos jovens, mesmo porque os jovens não possuem os percalços dos quadros mentais esclerosados próprios dos adultos.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

SÓ SE AMA O QUE SE CONHECE


(“Piaget para Principiantes - Summus Editoria - 3a Edição - 1980)
Conhecer é, simplesmente, assimilar o objeto pessoal

1. Basicamente, a afetividade é o interesse por uma pessoa, coisa ou animal; é isto que se chama “querer bem a...”. Todo interesse - como toda conduta - tem dois aspectos fundamentais: a) o aspecto intelectual, que consiste em “conhecer” o “objeto” e b) o aspecto afetivo, que consiste no “grau” (tonicidade) de interesse (uma pessoa ou coisa pode representar “mais interesse” que outra; nesse caso, diz-se que há mais afetividade pela pessoa que representa maior interesse).
O interesse (inter + esse) por uma pessoa ou coisa revela que esta pessoa ou coisa satisfaz uma necessidade da pessoa que se interessa. Se a necessidade é fundamental ou importante para o indivíduo, percebe-se que o “interesse” é maior; neste, diz-se que há maior afetividade pela pessoa ou coisa (amor). Aquilo que não satisfaz nenhuma necessidade do organismo (da mente, do psiquismo) não tem “interesse” para o indivíduo (é por isso que Piaget diz que o “grau de interesse” (motivação) revela a intensidade da necessidade. Quem quer ser amado procura provocar o interesse do outro e para provocar o “interesse” é preciso ser-lhe necessário de alguma forma.

2. Para que se estabeleça afetividade entre duas pessoas por exemplo, é preciso que o grau de interesse suscitado seja de tal nível que sustente o processo de “conhecer” esta pessoa. O grau de interesse, pois, pode ser tão pequeno que a relação afetiva não vá longe. Neste caso para, também, o processo de conhecer. Para que se possa conhecer, é preciso que o objeto interesse, isto é, é preciso que o objeto corresponda a uma necessidade. Quando o objeto nada mais tem para ser pesquisado (conhecido), cessa o interesse e diminui o grau de afetividade. Significa isso que o organismo não tem mais “necessidade” deste objeto (um objeto difícil de conhecer, ou leva ao desestimulo ou prolonga o interesse).

3. Na medida em que o conhecimento vai-se esgotando (na medida em que a pessoa ou objeto não apresenta mais “novidade”, o grau de interesse cai, evidentemente; só nos interessamos pelo novo. O já conhecido não apresenta interesse, produzindo a saturação ou tédio (desinteresse). O objeto deve, pois, ser sempre interessante para que a relação afetiva se conserve (salvo se o objeto passar a ser “alimento” automatico). As pessoas muito inteligentes facilmente se saturam com os objetos já conhecidos, procurando sempre neles “novidade”. Por outro lado, as pessoas inteligentes são sempre objetos “interessantes” (novos) para os que com elas convivem.

4. No encontro ou contato entre duas pessoas, o primeiro interesse é suscitado pelo “objeto em si” (se a relação é entre adultos, o interesse decorre da beleza, aspecto físico, linguagem, status, etc). Se a relação é entre criança e adulto, o interesse é suscitado pela capacidade do adulto de “satisfazer” os desejos da criança. A relação da mãe e da professora com a criança, no início, é deste último tipo (é uma relação altamente egocêntrica da parte da criança). Na medida que a criança se desenvolve, seu interesse se diversifica e já não a satisfaz o “objeto em si”: começam a valer, agora, as modalidades múltiplas de relações. É como se a pessoa jogasse xadrez sempre com o mesmo parceiro e terminasse por conhecer todas as suas jogadas: o jogo perderia o interesse. Se o adversário é inteligente, “inventa” sempre novas jogadas, mantendo o interesse.

5. Com o passar do tempo, esse interesse pelo “objeto em si” perde sua intensidade, isto é, tende a saturar-se (quando o objeto fica totalmente conhecido perde o interesse para o conhecedor). Daí ser necessário que outro tipo de interesse se estabeleça entre as pessoas para que a afetividade continue a existir (se a mãe ou as professoras brincam com a criança, deixam de ser um “objeto em si mesmo” para ser parceiro de brincadeira). Assim, se a mãe ou a professora mantiver sempre o mesmo nível  de relação, essa relação termina por saturar (salvo se a criança não se desenvolve). No caso do xadrez, provavelmente, cada parceiro estimula o outro a inventar novas jogadas, de modo que o interesse mútuo nunca cesse.

6. Na medida em que a criança cresce e vai-se tornando autônoma (capaz de procurar “prazer” em fontes variadas) a mãe e a professora tornam-se pouco interessantes como “fonte de prazer”. Suas necessidades  vão-se diversificando e subindo de nível. Assim, a mãe e a professora devem estar atentas à diversificação do interesse das crianças. Se não fizerem isso, a criança vai, aos poucos, achando-as bobas. A relação inferior infantiliza a criança, por isto as crianças, por vezes, apresentam duas personalidades: uma para relacionar-se com a mãe e outra para relacionar-se com os colegas. Muitas vezes, os educadores (mãe e professores) têm dificuldade em levantar o nível de relacionamento com a criança, cultivando um relacionamento infantilizado.

7. Assim, a mãe e a professora devem procurar outro meio que não sua própria identidade (objeto em si mesmo) para conservar a afetividade da criança. Como vimos, ser parceira da criança  nos jogos é uma maneira de manter a relação afetiva. Mas, com o tempo, a criança sente que um adulto não é parceiro adequado para seus interesses lúdicos. Procura , então, outras crianças para brincar. Assim, quando as crianças começam a valorizar seus companheiros, em detrimento da mãe e da professora, é sinal de grande evolução emocional. Não é preciso a mãe supor que “perdeu” o amor do filho(a): se o relacionamento anterior foi bom, fica permanente (embora de nível infantil). O novo tipo de amor (na medida que a criança se desenvolve) exige relacionamento de nível mais alto.

8. Como então conservar a relação mãe-filho e professor(a) aluno? Mãe e professora devem levantar o nível  do seu relacionamento com a criança (é por isso que, na medida que a criança cresce, começa a “gostar” mais do pai). E como levantar esse nível? Tornando-se “fonte de problemas” para a criança (se a criança está interessada em descobrir o mundo, a mãe e a professoras mostram que estão também interessadas nisso). A professora é treinada para levantar, progressivamente, o nível de relacionamento com o aluno (sob pena de, com o tempo, o aluno não encontrar mais interesse nela). As crianças entre si fazem isso automaticamente, complicando, progressivamente, o jogo (regras).

9. Como se vê, para manter interesse em torno de uma pessoa, é preciso que essa pessoa seja sempre uma fonte de “desequilibração”, isto é, que ela continue a ser, de alguma forma, “interessante” (fazer perguntas motivadoras à criança, por exemplo, atrai o interesse da criança pela pessoa que pergunta).  Muitos pais preocupam-se em explicar as coisas, quando a atitude pedagógica saudável seria “complicar” (desequilibrar) a situação para manter a criança interessada (os professores são treinados para propor situações-problema para as crianças).

10. O amor - como se vê - não é um sentimento difuso e inexplicável: só se ama a pessoa que representa para a gente um “interesse” (uma pessoa “interessante”). O amor também é um fenômeno intelectual: é o desejo de conhecer a pessoa amada. Quando a pessoa amada nada mais tem que mereça ser conhecido, o amor começa a decrescer (no máximo ficando “amada” como um “objeto de si mesmo”, que é um tipo de amor infantil). As pessoas que desconhecem a psicogenética dizem que este ramo da psicologia não se interessa pela afetividade. É que a psicogenética explica a afetividade de maneira global (evitando uma esquizofrenia entre a afetividade e a inteligência): só se ama o que se conhece, e só se conhece aquilo que se ama. Amor e conhecimento são duas variáveis no mesmo fenômeno, assimilar o meio (o outro).
Note-se que para Jean Piaget, “conhecer” é simplemente assimilar o objeto (e o objeto pode ser uma pessoa). Conhecer é saber usar, é manipular o objeto (a manipulação pode ser motora, verbal ou mental, as três formas como a ação - comportamento - se apresenta). A toda assimilação (incorporação do objeto na estrutura do organismo) corresponde uma necessidade e tudo que satisfaz a necessidade torna-se “interessante” para o sujeito assimilador. Quando mais intensa é a atividade assimiladora (isto é, o amor provocado pelo objeto - pessoal - que satisfaz uma necessidade) maior é a necessidade  (ver sofreguidão com que um indivíduo esfaimado come). Como a afetividade (tônus energético da ação assimiladora) e a inteligência (estratégias de assimilação do objeto) são aspectos diferentes e concomitantes do mesmo ato (assimilação), pode-se dizer que há tantos tipos de afetividade quanto modelos de inteligência sensório-motora, simbólica, operatória). A relação do sujeito com o objeto (pessoa amada, pessoa interessante) é regulada pelo grau de satisfação que o objeto representa para o sujeito assimilador. Com o tempo, a relação entre sujeito e objeto perde o tônus (demonstração de afetividade), ou porque o objeto (pessoa) já não satisfaz necessidades do sujeito, ou porque, produzindo-se uma espécie de simbiose, o objeto (pessoa) passa a ser uma parte (incorporação) do sujeito (duas pessoas idosas que se “acostumaram” a viver juntas e já formam uma só pessoa). Para que o interesse se mantenha é preciso que o objeto (pessoa) apresente algum grau ou tipo de resistência à assimilação, obrigando o assimilador a fazer acomodações (adaptações). A resistência aumenta o tônus da assimilação.
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