domingo, 18 de outubro de 2015

Para que Servem as Escolas - Capítulo 2 - Parte 2 (fim)

PARA QUE SERVEM AS ESCOLAS
Lauro de Oliveira Lima
Ed. Vozes
2
2º Parte

O MAIOR CIRCO DA TERRA


...  As unidades escolares são gânglios da imensa rede burocrática cujo modelo de funcionamento é regido por uma enciclopédia de portarias, ordens de serviço, pareceres, decretos (legislação escolar), que tem por finalidade uniformizar o funcionamento das unidades do sistema e impedir qualquer iniciativa individual de diversificação. Os profissionais que executam as tarefas previstas não têm qualquer liberdade de ação. Funcionam como bonecos de ventríloquo (todos se queixam de não melhorarem por serem impedidos pelo “regulamento”). Qualquer veleidade de maior eficiência e de obtenção de melhores resultados ou de modernização é bombardeada pela niveladora máquina burocrática, que não admite diferenças qualitativas. Todos os profissionais são tratados como absolutamente iguais quanto a seus níveis de competência. Para garantir (?) o funcionamento do processo escolar (o ato simples e primitivo de dar aula), o professor se vê, portanto, assessorado por imenso aparato burocrático que começa no MEC e nas secretarias de educação, passa pelos conselhos (produtores de imensa montanha de pareceres) até chegar as unidades escolares, com seu exército de burocratas e técnicos. O aluno circula dentro desta imensa engrenagem de forma anônima, e sai, no final da linha de produção, promovido ou reprovado!
            Tudo isso contrasta com a agilidade e eficiência das unidades escolares autônomas. Em alguns países, tenta-se superar esse confuso e ineficaz gigantismo, ora com o “cheque-educação”, fornecido a cada aluno para pagar sua matrícula no sistema particular, ora com o financiamento das escolas particulares, diretamente ou mediante o pagamento governamental do corpo docente. Pensa-se, também, em entregar as unidades escolares à comunidade (associação de pais e mestres), estimulando-se, assim, a sua autonomia e diversificação. Dificilmente, o Estado burocrático brasileiro, construído na Colônia pelo modelo centralizado, adotaria esses tipos de solução. Contemplando-se os estertores dessa geringonça burocrática, sempre a pique de desintegrar-se pelos entrechoques de suas contradições internas, pode-se compreender a estranheza com que são encaradas as propostas pedagógicas!  Toda essa burocracia tem por finalidade fornecer, com ou sem merecimento, um certificado aos gênios ou aos débeis mentais, a fim de credenciá-los a exercer uma função dentro do sistema de produção, sem jamais testar ou avaliar a autenticidade de sua tarefa!
            Todos nós que lutamos pela “escola pública” esquecemos este processo esclerótico das instituições gigantescas: malandragem, ociosidade, fraude, inércia, burocracia, etc., com perda total das finalidades intrínsecas da instituição. O povo brasileiro desconfia fortemente da escola pública. Prefere lutar pela “modicidade das anuidades na escola particular” do que pela expansão da escola pública, escola que fica reservada aos marginais, aos favelados e ao proletariado. Assim mesmo, famílias de baixa renda fazem enormes sacrifícios para manter seus filhos na rede particular, fato que, por si só, denuncia o baixo nível da escola pública. Jamais se cria a meta característica das democracias: “a escola popular, universal e gratuita para todos”. Nos cursos de mestrado, esta escola é apresentada como “reprodutora” das injustiças sociais ou simplesmente trocada pela “educação popular” (adultos): a escola que prepara o militante para a revolução social… Terminou o ciclo ideológico em que se confundia público com governamental (“mecanismos da liberdade”) e em que a socialização equivalia à estatização.
            Está na hora de repensarmos a escola pública (democrática, para todos, gratuita, sem ser burocrática ou governamental). A quem cabe essa reflexão? Os próprios países socialistas, neste momento, procuram soluções socialistas que não equivalem à estatização. Nada justifica que o funcionamento universal da educação tome a forma atual de escola pública: o que se pretende não é transmitir uma ideologia, mas garantir oportunidades educacionais para todos. Em geral, os mesmos mestres atuam, simultaneamente, na escola privada e na escola pública, sinal de que não se trata de garantir determinada doutrinação (as escolas particulares podem ser laicas, como a escola pública). O “cheque-educação” distribuído pelo Poder Público a todos os indivíduos escolarizáveis, por exemplo, é uma solução (pública) de manutenção do sistema escolar.
            Existem as mais variáveis soluções para se evitar a criação desse imenso circo ingovernável. Recentemente, os professores das escolas públicas permaneceram meses sem dar aulas, sem que a comunidade tivesse meios de enfrentar o problema. O Poder Público poderia reservar para si a função de fiscalizar o funcionamento do sistema escolar, exigindo alto nível de eficiência e produtividade. Dificilmente o Poder Público pode exercer a função de administrar o sistema escolar e fiscalizar o seu funcionamento. No Ceará, houve uma descoberta de fraude generalizada nas folhas de pagamento do magistério, com a multiplicação de contratos ilegais, havendo professores que recebiam por oitocentas aulas mensais! ... há um princípio administrativo que diz: “Se é grande, não presta! ”. O sistema escolar é a empresa mais gigantesca da terra…


sábado, 3 de outubro de 2015

Para que Servem as Escolas - Capítulo 2 - 1a parte: O maior Circo da Terra

PARA QUE SERVEM AS ESCOLAS
Lauro de Oliveira Lima
Ed. Vozes
2
1º Parte

O MAIOR CIRCO DA TERRA

            No Estado do Rio de Janeiro estão matriculados, nos cursos pré-vestibulares, quase dois milhões de alunos, que precisam de mais de 50 mil professores e outras tantas salas de aula, agrupadas em cerca de 4 mil escolas.
            Durante uma entrevista (abril de 1989), o secretário de educação do Rio de Janeiro refere-se a 100 mil professores estaduais, dos quais 25%, diz ele, estão afastados da função de magistério (deformação administrativa presente em todos os Estados da Federação). O Estado de São Paulo gasta 82% de todos os seus recursos (1982) com pessoal, para manter 4 milhões e 800 mil alunos em quase 6 mil escolas. Pode-se imaginar a complexa e emaranhada teia burocrática para movimentar essa imensa multidão de alunos, professores, diretores, supervisores, delegados, merendeiras, serventes, vigias, funcionários burocratas, orientadores, inspetores, bedéis, nutricionistas, dentistas, psicólogos, médicos, vigilantes, bibliotecários, arquivistas, recreadores, secretárias, etc., etc., etc., em permanente processo de transferência, aposentadoria, assistência médica, licenças, requisição para outros órgãos, tudo corrompido pela mais torpe politicalha. Sendo o magistério o maior corpo de funcionários públicos, é compreensível que nele interfiram, preferencialmente, os políticos que asseguram sua posição por meio do tráfico de influência. Milhares de professores permanecem indefinidamente fora do trabalho, protegidos por esses políticos.
            Cerca de vinte e cinco mil professores estão “à disposição” de políticos, no Estado do Rio de Janeiro. Multiplique-se isso pelo que ocorre nos demais Estados … e teremos duzentos, trezentos mil professores pagos para não fazer nada! ...       As escolas foram transformadas, recentemente, em refeitórios, onde são fornecidas 50 milhões de refeições diárias, atividade que, por si só, absorve a maior parte da atividade escolar diária, quase não sobrando tempo para os trabalhos de classe. Só no Estado de São Paulo são 250 delegacias cuja função é acionar a engrenagem burocrática quando a torneira enguiça em alguma unidade perdida na fronteira.
            A partir desses dados, localizados em dois Estados, pode-se avaliar a complexidade do sistema escolar do país. Para financiar essa imensa engrenagem, o Poder Público investe 18% do orçamento da República e 25% do orçamento dos Estados e dos municípios. É o investimento mais oneroso para a comunidade (impostos), indagando-se, hoje, se esse gasto produz retorno! Dificilmente encontrar-se-ão, no sistema internacional de produção, empresas de tal magnitude. É evidente que um aglomerado desse porte não pode ser “governado”, rolando burocraticamente, segunda a lei da inércia. A impossibilidade de uma contínua reciclagem e atualização do pessoal torna o sistema obsoleto e refratário a toda mudança modernizadora. A imensa máquina, sem controle, gerida aos trancos e barrancos por um sindicalismo classista, sem nenhuma sensibilidade para os reais objetivos do sistema (educar as novas gerações), cuida, exclusivamente, de seus próprios interesses (reinvindicação salarial), distanciando-se, progressivamente, de suas finalidades. Saí, a vulnerabilidade do sistema ao tráfico de influência e às pressões recebidas de todos os lados pelos professores para escaparem de suas obrigações funcionais, através de férias, licenças, disponibilidade, doenças fictícias, cursos irreais, transferências, faltas, aposentadoria, embromação nas aulas, etc. Os palhaços deste grande circo disputam entre si para ver quem melhor engambela a plateia (o povo brasileiro).

            A tentativa de controlar este desengonçado monstrengo produz esclerótica burocracia, que emperra seu funcionamento e cria um estado permanente de carência de recursos e de decadência material. Dessa forma, a rede do sistema escolar, frequentemente depredada por grupos de delinquentes, vive em constante estado de deterioração e sem funcionamento de suas instalações fundamentais (banheiros, bebedouros, etc.). A simples constituição  do corpo docente transforma-se em processo algébrico  que os computadores não conseguem resolver, dada a permanente flutuação dos funcionários, em constantes revoadas migratórias, transferências, aposentadorias, doenças, etc. Executa-se o ano letivo com o elenco das disciplinas incompleto, resolvendo-se esta irregularidade através  da química dos registros escolares, com dados (frequência, notas, exames, etc.) fraudulentos (os registros, tanto escolares quanto burocráticos e contábeis, são fraudados, ao sabor da administração ou sob pressão da corrupção). O prejuízo que advém aos alunos (ausência de certas disciplinas do currículo, por exemplo) não é considerado, não se aceitando reclamações das famílias. Na escola pública, a clientela, isto é, o povo, não pode interferir, pois o funcionário público brasileiro não tem consciência de que é pago pelos impostos arrecadados dos cidadãos! Por outro lado, o povo não tem consciência de que a “escola pública” é propriedade sua (impostos) agindo como se recebesse um benefício do governo (ver os pistolões para obtenção de matrícula: jamais uma família interpelou judicialmente o Poder Público para assegurar a matrícula para seus filhos). A direção da escola comporta-se arrogantemente para com a clientela e os professores não admitem críticas a sua precária atividade...
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