quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Introdução à Pedagogia - Capítulo 1 - 2a parte

INTRODUÇÃO À PEDAGOGIA – 2° edição
Lauro de Oliveira Lima
Editora Brasiliense
Capítulo 1
2º parte

...Como se vê, a gestação do ser humano prossegue depois do nascimento (depois que é expelido pelo útero), pelo menos, até 15/16 anos, quando se completa o desenvolvimento do sistema nervoso. Como todo comportamento sensório-motor, verbal e mental depende do estado de desenvolvimento do sistema nervoso (que é a ponte de ligação do organismo com o meio), é muito duvidoso que comportamentos estruturais intrínsecos, como “operações mentais”, construam-se após este período, o que não impede a aquisição de hábitos (comportamentos extrínsecos justapostos dependentes, permanentemente, de reforços do meio) prossiga, indefinidamente (inteligência curta – J. Piaget), notando-se mesmo progressivo decréscimo na capacidade de adquirir os próprios hábitos (“papagaio velho não aprende a falar” – diz o povo). É princípio básico da embriologia que “mutações” ou desvio de creodos só ocorrem nos períodos de crescimento (gestação), o estado adulto caracterizando-se pela estabilidade. O ser humano, pois, tem de 15 a 20 anos para definir seu comportamento sensório-motor, verbal e mental. Toda mãe pode observar quanto tempo é necessário, por exemplo, para a criança bater palminhas ou segurar um objeto; quanto tempo leva para andar ou para falar. É que estes comportamentos dependem de maturações nervosas, e ninguém pode acelerar a maturação do sistema neurônico, que tem seu próprio ritmo (ninguém pode, também, abreviar a gestação da criança, no útero materno: são os ritmos biológicos). É preciso, como se vê, acostumar-nos com a ideia de que o nascimento é fato pouco significativo. A gestação (crescimento) só se conclui quando o animal alcança o estado adulto, caracterizado, biologicamente, pela possibilidade de procriação. Quanto mais complexo é um organismo (máquina), mais tempo leva, evidentemente, para ser construído (infância). Não tem importância que a construção (embriologia) se faça no útero, na bolsa dos marsupiais, no ninho, na proveta, no berço: o importante é que o local da gestação favoreça a construção. Ora, se os comportamentos sensório-motores, verbais e mentais dependem das maturações nervosas (as redes neurônicas são a infraestrutura do comportamento), é compreensível que o final da maturação nervosa coincida como final do desenvolvimento mental, toda aparente “novidade” que venha a ocorrer depois disto explicando-se pelo desdobramento axiomático das estruturas adquiridas, numa espécie de processo dedutivo (tautológico). O trágico dos processos psico-sociológicos é que, dependendo, estritamente, de estimulação do meio, podem ficar a meio caminho, sem concluir-se, como se um feto pudesse sobreviver em estado fetal (psico-sociologicamente, isto é perfeitamente possível, não esgotando o desenvolvimento as possibilidades hereditárias) ...
Os comportamentos aprendidos e/ou inventados constroem-se como foram construídos os órgãos e os instintos, no útero. Como é óbvio, toda construção obedece a uma ordem sequencial, pois a etapa seguinte depende da anterior, tal como na construção de uma casa, em que não se pode colocar o telhado antes das paredes. O mesmo ocorre na construção dos órgãos e dos comportamentos: rastejar, por exemplo, vem antes de andar. É esta sequência logística (encaixe de comportamentos) que torna improvável a retomada de um processo que foi superado pelo desenvolvimento. Mas, os comportamentos não aparecem, espontaneamente, como ocorreria se fossem hereditários (o funcionamento do organismo, por exemplo, é hereditário, donde a diferença entre funcionamento e comportamento). Os comportamentos só se constroem se ocorrerem necessidades (desequilíbrios), donde se dizer que o comportamento depende da interação com o meio (um meio pobre em estimulação pode desestimular a gestação de certos comportamentos ou simplificá-los, empobrecendo-os). Como se vê, depois que a criança “nasce”, não só continua a crescer, como inicia complexa gestação de esquemas de assimilação. Os comportamentos correspondem a verdadeiros órgãos (estruturas), podendo-se dizer que a morfogênese continua fora do útero (não dispor de determinado comportamento é como estar privado de um órgão). A incapacidade de classificar, por exemplo, equivale à cegueira, pois a classificação é uma forma extremamente útil de agir sobre o real. O nascimento (que comemoramos com tantas festas e alegrias) é apenas uma mudança ecológica (mudança de meio). A gestação do ser humano continua, ainda por muitos anos, depois do nascimento. A vida uterina (nove meses) garante apenas as configurações da anatomia e o funcionamento do organismo (fisiologia). Se a criança nascesse antes, poderia ocorrer, na formação de seus órgãos, catastróficas influências do meio. É tão importante o período de nove meses da gravidez, para a construção do biótipo da espécie, que, mesmo no útero, a criança deve ser, artificialmente, protegida de certas influências (ver os efeitos teratológicos da talidomida, na formação dos membros das crianças). Deste modo, a natureza protege a criança, no útero, até o código genético ter construído o modelo que caracteriza, morfologicamente, a espécie. O mesmo irá ocorrer, posteriormente, em suas relações com a sociedade adulta. Quando o animal tem instintos, o comportamento é fabricado juntamente com o funcionamento do organismo (poder-se-ia dizer, pois, que o instinto não é um comportamento, mas um funcionamento). Como a ecologia humana (cultura-civilização) modifica-se com as descobertas e invenções da humanidade, a biologia não pode fabricar, previamente, os comportamentos a ela adequados (não saberia em que grau, nível de complexidade ou etapa estaria a civilização dentro da qual a criança vai nascer). A ecologia dos animais, basicamente, não muda, por isto podem ter instintos. Deste modo, só depois de nascida, a criança iniciará a “embriologia” de seu comportamento, em interação com o modelo de civilização ou cultura em que se encontra (por aí se vê a tolice da convicção sobre vocação). O modelo biológico de ser humano atual foi fabricado, há mais de cem mil anos, de modo que a criança que nasce, hoje, é, absolutamente, igual (biologicamente) a uma que nasceu na pré-história (“toda criança é um bárbaro” – Alain). Se a criança já nascesse com comportamentos estereotipados (instintos), não haveria civilizações como ocorre com os animais (o joão-de-barro e a aranha, há milênios, constroem o ninho e a teia da mesma maneira). O grande problema (que vai decidir a tipologia da sociedade) é se a embriologia (construção) extra-uterina do comportamento das crianças vai optar pela aprendizagem (imitação) ou pela invenção (criatividade) ... é porque as crianças nascem em plena gestação, que existe pedagogia: a da imitação e a da criatividade. Em todo caso, é sempre a criança que constrói o seu comportamento: a pedagogia cria, apenas, oportunidades...

(Continuará)

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Introdução à Pedagogia - Capítulo 1 - 1a. parte

INTRODUÇÃO À PEDAGOGIA – 2° edição
Lauro de Oliveira Lima
Editora Brasiliense
Capítulo 1
1º parte

O HOMEM É UM ANIMAL IGNORANTE... (QUE APRENDE)

Quando o organismo (e, por organismo, entenda-se o organismo todo, incluindo a mente) sente uma necessidade (um desequilíbrio, uma lacuna um impulso, uma motivação – existem centenas de nomes para expressar os sintomas das necessidades do organismo), o que faz? Espontaneamente, inicia uma atividade (que denominamos comportamento) com o objetivo de satisfazer a necessidade, isto é, de reestabelecer o equilíbrio. Sendo um sistema aberto, o organismo está em permanente estado de necessidade, precisando retirar do ambiente elementos para conservar sua estrutura (organização). Para isso, precisa estar nas melhores relações possíveis com o meio (adaptação). O processo vital é um jogo permanente entre a organização interna e a adaptação ao meio. Mas, que comportamento o organismo escolherá em cada situação, se as necessidades são tão diferentes umas das outras? Se a necessidade é fome, o comportamento não pode, evidentemente, ser o mesmo que o organismo usaria se estivesse com frio. A cada necessidade corresponde determinado comportamento (“esquema de assimilação” ou estratégia), através do qual a necessidade é satisfeita. São estes “esquemas de assimilação” que põem o organismo em relação com o meio. O organismo assimila o meio através dos esquemas que têm, de modo que, para cada organismo, o meio apresenta-se como se estivesse constituído, especialmente, para satisfazê-lo. Não são os “estímulos” que fazem o organismo agir: os esquemas de assimilação é que procuram alimentar-se (“... no começo está a resposta”). Um “estímulo” só estimula, se o organismo tiver esquemas para assimilá-lo (da grande variedade de raios luminosos presentes no ambiente, só percebemos os que correspondem aos limites de nossa percepção visual, fato que se repete em todas as circunstâncias e em todas as faixas). Mas, de onde provêm esses esquemas? São inatos, adquiridos ou constituídos ao longo do desenvolvimento?
Ora, observando-se os animais (entre eles, incluindo o ser humano), verifica-se que existem três tipos fundamentais de comportamentos ou esquemas de assimilação (chamam-se de “assimilação” porque  servem para incorporar elementos do meio):              1) comportamentos instintivos estereotipados de caráter hereditário: todos os animais da mesma espécie, em certas circunstâncias, comportam-se, automaticamente, da mesma maneira (resta sempre uma faixa de comportamento inventado) ; 2) comportamentos aprendidos por imitação e/ou exercitação: quando surge a necessidade, o animal resolve o problema através de automatismos aprendidos com os demais animais de sua espécie (hábito); finalmente, 3) comportamentos inventados; frente à situação, o animal constrói comportamentos originais, mesmo que a originalidade consista em simples redescoberta de comportamentos que já são usados por sua espécie. Ora, se o comportamento é inato não há escolha: a própria necessidade (ou desequilíbrio) dispara o mecanismo instintivo que a satisfaz, algo parecido com o que ocorre, por exemplo, no funcionamento da geladeira: sempre que a temperatura sobe, um mecanismo automático põe o motor em funcionamento, restabelecendo-se a temperatura planejada. O mesmo ocorre com o comportamento aprendido por imitação, notando-se, porém, que a imitação só é possível se for compatível com o nível de desenvolvimento alcançado pelo organismo (a criança, por exemplo, não imita os mecanismos que o adulto utiliza para comer antes de ter desenvolvido suas coordenações sensório-motoras). Quando o comportamento é inventado (ou reinventado), tudo depende de “ensaio e erro” e das combinações que vão entrar em jogo.
Ora, o ser humano não tem instintos (não confundir instinto, que é um comportamento, com necessidade, que é um sentimento de um desequilíbrio): não apresenta comportamentos estereotipados hereditários comuns a toda a espécie (não faz suas casas sempre da mesma maneira, como os pássaros; não come, apenas, determinada espécie de alimento, como a maioria dos animais; não adota o mesmo “cerimonial”, no acasalamento, como quase todos os seres vivos). Ao contrário da maioria dos animais recém-nascidos, o ser humano nasce sem qualquer comportamento organizado (não sabe sequer mamar; não anda; não coordena as mãos, etc.). Todos os seus comportamentos terão de ser aprendidos (hábitos) ou inventados (inteligência). Se o comportamento não é inato, o moderno problema da pedagogia é saber como o ser humano aprende ou inventa seus comportamentos sensório-motores, verbais e mentais.
O recém-nascido dispõe, apenas de alguns reflexos ou montagens hereditárias correspondentes ao funcionamento local dos órgãos (abrir e fechar os olhos, fechar as mãos, espernear, etc.), estes mesmos dependendo, para atualizar-se, de frequentes exercícios (solidificação dos reflexos). Comparando-se, por exemplo, o recém-nascido humano com um cordeirinho que acaba de sair da placenta, podemos dizer que o ser humano é o animal mais “ignorante” que existe! A infância humana (período de crescimento que vai da concepção ao estado adulto) é a mais longa, na escala zoológica (se considerarmos a pós-graduação como continuação da infância... podemos dizer que a infância dura cerca de trinta anos, embora se deva dizer que, biologicamente, todo animal que pode procriar já é adulto, evidente decalagem entre o biológico e o psico-sociológico). Por que a infância humana é tão prolongada? Precisamente, porque o ser humano não tem comportamentos hereditários (instintos), devendo, quando sente uma necessidade ou enfrenta um problema: 1) aprender a comportar-se (imitação, exercitação, condicionamento, hábitos, automatismos), ou 2) inventar seus próprios comportamentos (inteligência). O grande problema pedagógico é decidir entre hábito e inteligência...

(Continuará)
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