sábado, 20 de fevereiro de 2021

Centenário do Professor Lauro de Oliveira Lima

 


   Prezados amigos visitantes do blog Lauro de Oliveira Lima,

   No dia 13 de agostode 2021, o professor Lauro faria 100 anos de vida, e temos pensado nisso com carinho, desenvolvendo um plano para homenageá-lo à altura de sua vida e sua obra. Naturalmente, muitas das ações planejadas estão sendo repensadas por conta da pandemia do novo Coronavírus e suas consequências naturais, como a necessidade de distanciamento social acarretando limites para as atividades coletivas e dificuldades par viagens, etc.

   Ainda no ano de 2020, tivemos o encerramento das atividades da Escolinha "A Chave do Tamanho" no Rio de Janeiro, e sua transferência para o Ceará, com suas atividades agora ligadas diretamente ao Colégio Oliveira Lima, formando um bloco de único de excelência do ensino piagetiano e aplicação do Método Psicogenético. Esses vários fatores implicaram em um planejamento diferente com o uso de tecnologia sendo o elemento chave para a realização do evento.

   Assim, em 13 de agosto, foi programada a realização de uma videoconferência que reunirá educadores importantes para uma conversa sobre o homenageado, com depoimentos importantes, o lançamento de material sobre a obra, presença de autoridades, etc.

   A organização está sendo feita a partir do Rio de Janeiro, Ceará e São Paulo, e a realização de toda a parte presencial acontecerá em Fortaleza (CE). Serão disponibilizados acessos pelas redes sociais e Youtube, de maneira a podermos atingir ao máximo de interessados. Em breve estaremos disponibilizando um local para inscrições online, sendo a participação gratuita.

   É uma alegria poder realizar esse evento, que será marcante para todos aqueles que tem interesse na Educação, temos certeza.

Aguardem maiores notícias a respeito,

Organização Centenário Lauro de Oliveira Lima

sábado, 22 de junho de 2019

  Saiu no Diário de Mogi, no dia 16 de junho de 2019, matéria  de João Anatalino, escritor e advogado, que faz menção a um pensamento do Professor Lauro de Oliveira Lima, a partir do qual faz uma análise da educação moderna.

   Emoção em ver essa citação e a lembrança mantida por muitos dos pensamentos do Mestre Lauro. Segue abaixo o texto, e ao final, o link para que o mesmo possa ser visto no original, no site do jornal.


EUCALIPTOS E JEQUITIBÁS

João Anatalino


Reporto-me a uma matéria publicada pelo Chico Ornelas em O Diário, falando do meu velho amigo e mestre Percy Benedicto de Siqueira. Percy foi um grande e verdadeiro educador. Como Lauro de Oliveira Lima disse, a educação moderna é uma floresta onde derrubam-se velhas árvores seculares, que nasceram sozinhas, por milagre da natureza, e no seu lugar replanta-se a floresta com árvores de corte, como são os pinheiros e os eucaliptos. Desaparecem os jequitibás, as perobas, os mognos e outras espécies nobres. É uma pena. A morte abate nossas árvores mais nobres e são poucas as que nascem com a mesma virtude para substituí-las. Até porque estas não podem ser plantadas em série nem são passíveis de ser cultivadas artificialmente. Elas precisam de habitat peculiar para nascer e desenvolver suas vocações. Não é na floresta petrificada da produção em massa e do lucro a todo custo que elas vicejam e crescem. Educadores são como as árvores nobres da floresta, verdadeiras entidades especiais que possuem uma alma, uma tradição, uma história, que se liga ao ambiente em que vivem, e influem, de forma decisiva, nele.



Que me perdoe quem não entender a analogia, mas é assim que eu vejo o educador. Sua importância não está no conjunto de informações que ele reúne para passar aos seus alunos, mas na relação de simbiose que ele mantém com eles, que verdade seja dita, são discípulos mesmos e não simplesmente alunos. Esse profissional nada tem a ver com o professor das nossas modernas escolas e universidades, que não por culpa deles, é bom que se diga, mas por força de um sistema que transformou o conceito de educação em créditos que o aluno tem que obter numa certa disciplina, hoje só se preocupam em cumprir um programa sem alma. Se entendermos bem essa analogia, não será difícil entender também porque hoje nossos alunos estão tão indisciplinados, desmotivados e rudes, e os nossos professores tão infelizes e desanimados com suas profissões.

Da minha parte, tenho saudades da Geraldina Porto, da Clara Coelho, do Ari Silva, da Aracy Steiner, do Ephaphas Ennes, da Terezinha Langlada e outros verdadeiros educadores que cruzaram o meu caminho.  Em nome deles saúdo todos os verdadeiros educadores do mundo, profissionais ou não, pois educador não é profissão, é vocação, missão, apostolado. Da mesma forma que hoje terçamos armas para conservar as árvores nobres, seria de bom alvitre preservar os verdadeiros educadores. Esses são, como dizia Lauro de Oliveira Lima, os jequitibás que nunca poderão ser substituídos por eucaliptos.



Veja a matéria no site https://www.odiariodemogi.net.br/eucaliptos-e-jequitibas/?fbclid=IwAR2v13D79gnJBtcNO06YrLZHBHpKk6gfv9dN-wLuHeQsyVOnyoZ70Qvn7wc

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Afinal, que é educar? 2º parte


Temas Piagetianos
AO LIVRO TÉCNICO S.A
Indústria e Comércio
Rio de Janeiro – RJ / 1984
Afinal, que é educar? 2º parte
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         Por que os professores não entendem esta sua tarefa de tão longa tradição, iniciada na pré-história? Que sociedade suicida iria pagar para a professores para destruir seus próprios valores, ritos, costumes, religião, ideologia? Muitos professores foram perseguidos, por exemplo, por ensinarem aos jovens a «evolução dos seres vivos» de um estrangeiro chamado Darwin, antes da tribo resolver aceitar esta doutrina «subversiva». E há quem se admire de, de tempos em tempos, ser necessário fazer expurgo no corpo docente para eliminar os que se desviaram das doutrinas tribais e adotaram crenças exóticas!
         Realmente: se há duas doutrinas, ou é a minha, ou é a dele! Por que meu filho há de aprender a doutrina do vizinho e não a minha? Se eu acredito que Machado de Assis foi o maior escritor do Brasil, por que vou permitir que um professor ensine que foi José de Alencar, Euclides da Cunha, Jorge Amado?! Daí o vestibular, quem não concordar com a opinião pública da tribo... não entra no reino céu, isto é, na universidade (para isso existe catecismo).
         Para que se mantenha a unidade da tribo é preciso vigiar se algum professor não anda desagregando a juventude (foi por corromper a juventude que o aerópago, uma assembleia de literatos, magistrados e sábios de Atenas, obrigou Sócrates a beber cicuta, lição que deveria ser, insistentemente, relembrada nas faculdades de formação de professores). Hoje, há uma corrente pedindo que se permita aos mestres ensinar doutrinas contrárias às tradições das tribos (escola contestadora, universidade crítica, escola selvagem, etc.). Mas que vai pagar a esses contestadores? As autoridades e as classes dominantes? Seria pedir muito... pedir que pagassem sua própria destruição! Esses contestadores são, absolutamente, idênticos aos professores iniciadores, só que a iniciação que pregam é outra... Só haveria uma forma de conciliar as coisas, deixar que as novas gerações, comparando as duas doutrinas (a da iniciação e a contestadora) escolhessem, livremente, a que preferem. Educar é desenvolver a capacidade de escolher.

Fevereiro, 1979

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Afinal, que é educar? 1º parte

Temas Piagetianos
AO LIVRO TÉCNICO S.A
Indústria e Comércio
Rio de Janeiro – RJ / 1984
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Afinal, que é educar? 1º parte
Educar: dopar, doutrinar, inculcar ou desenvolver a capacidade de escolher, de optar, de reelaborar? Afinal, qual é a melhor doutrina: a sua ou a minha? Sócrates não doutrinava: fazia (como Descartes) a dúvida metódica. Não peço licença para doutrinar: peço que se dê oportunidade de o jovem escolher.
Nas sociedades antigas (em Roma, por exemplo e entre os nossos índios) o diploma de término de curso chamava-se «iniciação». O Aurélio define assim a palavra «iniciação»: «Etimol. Cerimônia, processo ou série de processos correspondentes às diversas classes de idade, com que os jovens são iniciados nos ritos, nas técnicas e tradições da tribo, e assim preparados para a admissão na sociedade dos adultos». No mundo moderno, o processo de iniciação denomina-se «sistema escolar» e a cerimônia final chama-se «diplomação». A antiga «iniciação» era feita pelos sacerdotes, magistrados e, nas tribos, pelo pajé. Hoje, os “iniciadores” chamam-se “professores”, isto é, aqueles que professam, (propagam, preconizam, apregoam). Raro é o professor que tenha nítida consciência desta sua função. Eles pensam que ensinam matemática, inglês, física, e educação física...
É porque os professores perderam o sentido histórico da sua profissão que se criaram as cadeiras de Moral e Civismo e de OSPB. Quando os professores fracassam criam-se cargos novos para suprir suas deficiências; orientador educacional, supervisor, diretor de escola, inspetor, técnico de educação, etc. A sociedade confia que os mestres encarregados de ensinar os ritos, técnicas (profissionalização), tradições e ideologia da tribo (dos adultos que dirigem a sociedade) desempenhem leal e espontaneamente, a função que lhes foi atribuída e paga a peso de ouro (professores mal remunerados podem sabotar a tarefa que lhes foi confiada). Há professores desleais que, pagos para iniciarem os jovens na “mentalidade coletiva” da tribo (ver Durkheim), começam a incentivar os jovens a não acreditarem nos ritos, provérbios, tradições, slogans, organização social dos adultos que estão pagando seu trabalho (sociedade adulta) ... Mais: se são demitidos e perseguidos, consideram-se vítimas de injustiça! Como se vê, esses professores desconhecem, totalmente, a finalidade de sua função ou são sabotadores conscientes da estabilidade histórica da tribo (da sociedade adulta ou da ordem constituída). Há uma espécie de professor ainda mais perigoso, não cobra, rigorosamente, dos adultos (dos iniciados) a demonstração (provas e exames) de que estão preparados para entrar no corpo social adulto. O verdadeiro mestre é rigoroso e reprova, sem piedade, todos que não assimilam as tradições da tribo. Daí a necessidade de provas e exames sucessivos, com a apoteose final do vestibular, onde são escolhidos os futuros sacerdotes, guerreiros, cientistas, economistas, professores, etc. da tribo (a través de curso universitário).


Fevereiro, 1979 (continua)

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Entrevista Jean Piaget - 1969 - 4a parte/final da matéria

Reportagem: Jean Piaget
Revista «Primera Plana»
28 de janeiro de 1969
Uma colaboração de Héctor Álvarez

4º parte / final

O que é inteligência? Qual seu desenvolvimento na criança? A inteligência é ligada ao nível social? Atualmente, a pessoa mais qualificada para responder a essas perguntas é, incontestavelmente, o suíço Jean Piaget, de 72 anos1, cujos trabalhos são célebres no mundo inteiro. A revista L´Express, associada a «Primera Plana», entrevistou o cientista. Foi uma ótima oportunidade para conhecer suas opiniões sobre pontos importantes como a psicanálise, ou o significado final de sua atividade como investigador. Doutorado em ciências, biólogo apaixonado pela epistemologia e pela lógica, pela teoria do conhecimento científico, sua vocação para detectar os pontos importantes que acompanham a aventura do conhecimento humano fizeram dele um «psicólogo» de relevante influência sobre essa disciplina. Seus admiradores gostam de lembrar que quando fez 10 anos publicou um artigo sobre certa classe de pássaro albino que causou assombro entre os especialistas; que antes de fazer 15 anos, seus artigos sobre moluscos eram conhecidos na Europa toda. É apaixonante penetrar na sua obra começando pela trilogia: O nascimento da inteligência (1936), A construção do real (1937) e a Formação do símbolo (1945). Seguida por uma grande quantidade de livros, conferências e a sua tarefa docente em A Sorbonne e na Faculdade de Ciências de Genebra.

E quando pegamos uma única pedrinha, estamos acrescentando-lhe algo?

É claro. Uma única pedrinha contém a ideia de unidade. A unidade pode ter dois significados: a unidade lógica, a identidade; ou a unidade de aritmética, que é equivalente às outras unidades. Desafio você a encontrar um conhecimento que seja deduzido exclusivamente do objeto.

O exemplo das pedrinhas mostra exatamente o caso da matemática moderna.
As crianças descobrem por si mesmas as correspondências, descobrem, de certo modo, a teoria dos conjuntos, sem que nada lhes seja imposto.

Perfeitamente. E tudo isto está bem mais próximo da criança do que a matemática clássica.

Desta forma, aproximamo-nos também da topologia.

Seguramente.

Qual seria sua definição da topologia?

As relações de classes, do ponto de vista lógico - relações entre indivíduos ou entre classes -, podem apoiar-se nas semelhanças e diferenças (e neste caso temos a lógica das classes e das relações), ou nas vizinhanças, nos conjuntos, figuras, etc., e aí temos então, precisamente, o aspecto geométrico e topológico.

E essas vizinhanças têm alguma correspondência mais profunda em nós? De que maneira o recém-nascido descobre o mundo ao seu redor?

O mundo para ele é, antes de tudo, um conjunto de quadros perceptivos em movimento. E claro, então, que as vizinhanças desempenham um papel importante na proximidade perceptiva.

Quando vê um rosto debruçando-se sobre seu berço, o que lhe ocorre? É alguma sombra?

Absolutamente, não. Deve percebê-lo aproximadamente como nós. O problema principal é saber o que acontece quando ele não o vê mais, pois não tem os meios para evocá-lo, já que não possui a função semiótica e ainda não construiu o espaço. Consequentemente, o rosto debruçado sobre seu berço não é nem localizável, nem evocável, quando desaparece de sua vista.
A hipótese mais simples é supor que se trata para ele de uma espécie de quadro que, depois de aparecer, desaparece e é reabsorvido nos outros quadros, podendo reaparecer mais tarde. O bebê tem um procedimento muito eficaz para provocar o reaparecimento do quadro: é só gritar bem forte, por muito tempo. Seguramente reaparecerá.

Mas como a partir daí constrói-se um mundo de objetos ao seu redor?

Graças a um processo de coordenação dos deslocamentos e das posições, que se organizam em um grupo matemático, na medida em que a construção do espaço se torna mais exata, e o objeto, agora localizável, continua existindo mesmo quando não é mais percebido. Há uma correlação estreita entre a permanência do objeto e a construção dos grupos.

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Você se interessou pela psicanálise?

Sim. O que lhe falta é o controle (científico). Não creio que já seja totalmente uma ciência. Os psicanalistas reúnem-se ainda em "panelinhas", e isto é muito complicado. Em cada "seita", os pesquisadores acreditam imediatamente uns nos outros: compartilham uma verdade comum. Enquanto que na psicologia, a primeira reação é procurar contradizer. Os psicanalistas referem-se a uma verdade que deve mais ou menos estar conforme os escritos de Freud, o que me parece muito opressivo.

Você acha que a psicanálise pode vir a tornar-se uma ciência?

Na medida em que nela aparecerem mais heréticos, certamente.

Você viu aparecer o subconsciente nas suas experiências com as crianças?

Ouça: esta pergunta sempre me surpreende! Tem-se a ideia de que o subconsciente seria em essência, algo de especificamente afetivo, quando três quartas partes do que estudo, no campo da inteligência, que é meu campo, é inconsciente, do ponto de vista do sujeito... A consciência no plano da inteligência, é o resultado de uma "tomada de consciência" extremamente parcial e frequentemente deformante em relação às estruturas subjacentes, que vão sendo descobertas por uma série de cortes.

Você me pergunta se encontrei o subconsciente. É claro que sim! No plano afetivo, encontrei-o no jogo simbólico, onde aparece sob uma forma bem freudiana. Lembro-me de uma brincadeira de meus filhos, dizendo que papai estava morto ou que fora mandado para muito longe, ou coisa parecida...

Brincar de pai e mãe é um exemplo de jogo simbólico?

Jogo simbólico é toda brincadeira que consista em representar algo com objetos ou gestos diferentes. No jogo simbólico, a todo momento percebe-se a manifestação de complexos afetivos. Um de seus objetivos é "liquidar" os conflitos. Surge, por exemplo, um conflito entre pais e filhos na hora da refeição: uma menina não quis comer sua sopa, provocando assim discussão sobre isto. Pode-se estar certo que esse conflito aparecerá à tarde, quando ela estiver brincando com sua boneca. A menina frequentemente possui uma pedagogia mais adequada que a de seus pais: ela explica à sua boneca o que tinha de fazer; ou mais simplesmente, já que não há problema de dignidade, a criança dá razão aos pais através deste mecanismo simbólico. Enquanto que durante a refeição, ela não podia "entregar os pontos", assim sem mais, nem menos.

A estrutura do jogo simbólico é então uma estrutura importante para o psiquismo humano?

Claro! E se eu fosse psicólogo ter-me-ia dedicado a este problema continuamente.

Se fosse psicólogo?

Sim, porque sou epistemólogo. Meu domínio é o conhecimento.

Você acha que seus trabalhos se conciliam com a teoria freudiana?

Ah! Vários freudianos estão procurando demonstrar isso. Parece-me indubitável. Mas isto depende de como a gente se compromete com o freudismo. Os psicanalistas perderam com David Rappaport, um homem que, a meu ver, era seu melhor teórico. Morreu há alguns anos, quando tinha apenas 40 anos. Rappaport fez um lindo trabalho a respeito da noção freudiana de carga afetiva. Era formado em física antes de tornar-se médico-psicanalista. Via estreita analogia entre a catarse freudiana e minhas ideias sobre a assimilação.

De maneira geral, acho que o acordo é certo, mas há sempre uma ocasião em que o psicanalista continua a contar coisas com segurança quando o que queremos são as provas do que diz.

Em outras palavras, você acha que a psicanálise ainda está para constituir-se como ciência?

Em minha opinião, em grande parte, sim. Mas com dificuldades bem maiores do que as que encontramos. Note que fiz psicanálise didática para saber o que era. Fiquei muitíssimo interessado.

E sentiu-se diferente depois desta análise?

Tive impressão que é muito útil para o homem normal. Mas pode tornar-se perigosa para os casos patológicos.



Uma última pergunta: você gosta de criança?

Mas é claro! Eu permaneci sempre um pouco infantil!

                                    

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Entrevista Jean Piaget - 1969 - 3a. parte

Reportagem: Jean Piaget
Revista «Primera Plana»
28 de janeiro de 1969
Uma colaboração de Héctor Álvarez

3º parte

O que é inteligência? Qual seu desenvolvimento na criança? A inteligência é ligada ao nível social? Atualmente, a pessoa mais qualificada para responder a essas perguntas é, incontestavelmente, o suíço Jean Piaget, de 72 anos1, cujos trabalhos são célebres no mundo inteiro. A revista L´Express, associada a «Primera Plana», entrevistou o cientista. Foi uma ótima oportunidade para conhecer suas opiniões sobre pontos importantes como a psicanálise, ou o significado final de sua atividade como investigador. Doutorado em ciências, biólogo apaixonado pela epistemologia e pela lógica, pela teoria do conhecimento científico, sua vocação para detectar os pontos importantes que acompanham a aventura do conhecimento humano fizeram dele um «psicólogo» de relevante influência sobre essa disciplina. Seus admiradores gostam de lembrar que quando fez 10 anos publicou um artigo sobre certa classe de pássaro albino que causou assombro entre os especialistas; que antes de fazer 15 anos, seus artigos sobre moluscos eram conhecidos na Europa toda. É apaixonante penetrar na sua obra começando pela trilogia: O nascimento da inteligência (1936), A construção do real (1937) e a Formação do símbolo (1945). Seguida por uma grande quantidade de livros, conferências e a sua tarefa docente em A Sorbonne e na Faculdade de Ciências de Genebra.

Os chimpanzés também têm função semiótica?

A função semiótica? Eles encontram-se na fronteira. É surpreendente a experiência com distribuidores automáticos com as fichas. Um chimpanzé é treinado para colocar fichas num distribuidor, de onde retira bananas ou outras frutas. Em seguida, fichas lhe são dadas, sem que o distribuidor esteja visível. Ele as guarda, cuidadosamente. Se lhe damos fichas falsas, muito grandes ou muito pequenas, zanga-se e afasta-as. É a primeira fase da experiência.

Em seguida, o chimpanzé é colocado junto a um colega faminto. Os chimpanzés são muito generosos, dando bananas uns aos outros, etc.... O primeiro chimpanzé passa as fichas ao colega que já foi também treinado para a utilização correta das fichas; ele as recebe com gratidão. Mas, se o primeiro chimpanzé oferece-lhe fichas falsas, recusa-as, jogando-as na cara do companheiro. E um esboço de função semiótica. A ficha é um tipo de moeda, distinguindo-se as falsas das verdadeiras. Duvido que o bebê chegue a esse ponto antes dos 2 anos.



O que você diz, o tempo todo, a respeito dos diferentes estádios do desenvolvimento da inteligência ocasiona, sem dúvida, certas consequências no plano pedagógico. Existe atualmente alguma relação entre seus trabalhos e a pedagogia, tal qual ela existe na Suíça ou na França, por exemplo?


Não sou pedagogo. Serei, portanto, cauteloso em minhas respostas. Mas analisemos o exemplo da matemática moderna, que é hoje ensinada muito cedo. Há dois aspectos bem diferentes a distinguir. Por um lado, há o método utilizado para ensiná-la: pode-se ensiná-la de maneira tradicional, isto é, verbalmente, o que leva ao desastre. Por outro lado, pode-se ensiná-la a partir de atividades e de descobertas da criança, o que seria excelente, pois as pesquisas que pude fazer sobre as estruturas lógico-matemáticas mostram que existe profundo parentesco entre as estruturas da matemática moderna e as estruturas espontâneas da inteligência da criança. Toda vez que se ensina algo à criança sem deixá-la participar, impede-se que ela descubra por si própria.  É o fracasso.

Em suma, você questiona então todo o nosso sistema de ensino?

Evidentemente.

Como se traduz de maneira concreta o fato de se dever deixar a criança descobrir, inteiramente, por si mesma?

Inteiramente não. Pode-se guiá-la. A função do professor é encontrar os dispositivos que permitem que a criança progrida. A aquisição do que se faz ou se descobre é bem melhor. Mas antes de tudo, qual é o objetivo da escola? É formar criadores, inovadores ou indivíduos que reproduzam o que já aprenderam as gerações anteriores?

Mas só se pode pesquisar corretamente, se já sabemos certas coisas.

Certo. Mas aprendê-las em função de uma pesquisa é inteiramente diferente de aprendê-las, por assim dizer, sem contexto.

Você acha que a vulgarização atual da psicologia permite aos pais assumirem melhor seu papel, ou, ao contrário, concorre para ficarem tão perturbados que já não sabem como tratar seus filhos?

As duas hipóteses. A pedagogia é uma das raras profissões onde cada um pensa que é competente. E isso é muito perigoso.

Como fazer de outra forma?

Formando os professores, por exemplo. Quando se deseja ensinar, creio que é de infinita utilidade ter feito antes pesquisa em psicologia. Sempre tive muita admiração pela sabedoria de Édouard Claparède, que dizia: "Deveríamos dar a todo futuro mestre-escola, e isto é válido também para os pais, algum curso sobre psicologia animal, com trabalhos práticos, pesquisa, treinamento, etc. Porque se o treinamento do animal falha, o treinador assume sempre que o erro foi seu, enquanto que quando treinamos uma criança e falhamos, a culpa é da criança". Não são as crianças que necessitam de surras, são os pais.

E quais são os erros que cometemos?

Para mim, o primeiro é o excesso de autoridade. Não que ela seja desejada em si, mas causada pela ignorância de todo o trabalho espontâneo que ocorre na mente da criança. O fato é chocante no plano intelectual. A não-conservação e a conservação de que falo a todo momento são fatos descobertos, que, quando os transmitíamos inicialmente, provocavam reserva nos pedagogos. A princípio, não acreditaram, e isto por muito tempo. Despois não podiam entender como não tinham percebido isso antes. Em seguida, afirmavam que uma descoberta desta natureza era inverossímil, e com certeza era excepcional que se constatassem fenômenos deste gênero. Bastava observar melhor as crianças, em vez de lhes fazer conferências.

Você pensa que a autoridade poderia ser eliminada?

É preciso reduzi-la ao mínimo e estabelecer, o mais rapidamente possível, relações de reciprocidade afetiva e intelectual.

Ao abolir a autoridade, chega-se às vezes à....

Chega-se a compreensão, ao invés da imposição. Não impor regras antes que sejam compreensíveis, e que estas sejam aprendidas a partir da experiência da própria criança. Eis aí o que se deve fazer.

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Você dedicou um livro ao nascimento da moralidade na criança. Como se desenvolve o sentimento moral? Quais são suas fases?

A moral das crianças pequenas é antes de tudo uma moral de submissão. O bem é o que está de acordo com as regras impostas pelo adulto. O mal é tudo o que infringe a regra, em geral de uma maneira estritamente literal, isto é, una mentira é julgada como sendo mais feia quanto mais se afasta da realidade, quanto mais incrível é.
Já a partir de cerca de 7 anos, em média, aparece uma moral de reciprocidade nas crianças, que se faz frequentemente em detrimento do adulto. Produz, em particular, a ideia de justiça, por ocasião de uma injustiça ocorrida. Chegamos então à moral de autonomia, em estreita correlação com o desenvolvimento intelectual da criança.

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Você acha que o objetivo mais importante da psicologia seria melhorar os homens?

Sim, é uma possibilidade. É a mais importante. Mas você está me deixando confuso, porque não é esta a tarefa que escolhi. Acho que a pesquisa tem prioridade em relação a qualquer aplicação.
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Eis que voltamos à sua atividade como cientista. Como 40 anos de pesquisa o ajudaram a compreender melhor certos problemas epistemológicos, relativos à teoria do conhecimento?

O problema essencial da epistemologia é a relação entre o sujeito que conhece e o objeto conhecido. O empirismo, por exemplo, dá mais importância ao objeto, chegando assim à ideia de que o conhecimento é uma cópia do objeto. Quis verificar experimentalmente se de fato todo conhecimento provém da experiência. Utilizei os métodos do empirismo para verificar se o empirismo é verdadeiro. Mas cheguei à conclusão de que o conhecimento não é só o registro, a marca deixada pelo objeto no sujeito, a cópia do objeto.
Toda vez que observamos a formação de um conhecimento, constatamos a atividade do sujeito que acrescenta algo ao objeto. O estudo empírico do conhecimento contesta o empirismo. A experiência supõe sempre um quadro lógico matemático que não é dado pela própria experiência

O que o sujeito acrescenta?

Coordenações, relações (correspondências)

Que significa isto?

Analisemos um exemplo de experiência lógico-matemática. Uma criança que alinha pedrinhas, contando-as da esquerda para a direita, encontra dez pedrinhas. Conta, então, na direção oposta e, muito surpresa, descobre que dá novamente dez pedrinhas. Coloca então as pedrinhas em círculo. Conta de novo e chega, mais uma vez, ao mesmo resultado. Conta de trás para diante e encontra, novamente, dez.
A experiência acaba de ensinar-lhe que a soma é independente da ordem. Nem a soma, nem a ordem estão contidas nas pedrinhas. As pedrinhas não estavam ordenadas. Foi a própria criança que as alinhou, que as colocou em círculo, etc.
A ordem foi acrescentada pela ação do sujeito, foi o objeto enriquecido com uma estrutura que permitiu sua compreensão. Acontece o mesmo com a soma. As pedrinhas estavam lá, mas não eram dez até que fossem colocadas em correspondência com os nomes dos números. O número dez no é uma característica das pedrinhas e sim uma relação de correspondência entre conjuntos múltiplos. Tudo isto supõe atividade do sujeito. No foi apenas a fotografia das pedrinhas que lhe forneceu estes dados.


Continua...

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Entrevista Jean Piaget - 1969 - 2a parte

Reportagem: Jean Piaget
Revista «Primera Plana»
28 de janeiro de 1969
Uma colaboração de Héctor Álvarez

2º parte

O que é inteligência? Qual seu desenvolvimento na criança? A inteligência é ligada ao nível social? Atualmente, a pessoa mais qualificada para responder a essas perguntas é, incontestavelmente, o suíço Jean Piaget, de 72 anos1, cujos trabalhos são célebres no mundo inteiro. A revista L´Express, associada a «Primera Plana», entrevistou o cientista. Foi uma ótima oportunidade para conhecer suas opiniões sobre pontos importantes como a psicanálise, ou o significado final de sua atividade como investigador. Doutorado em ciências, biólogo apaixonado pela epistemologia e pela lógica, pela teoria do conhecimento científico, sua vocação para detectar os pontos importantes que acompanham a aventura do conhecimento humano fizeram dele um «psicólogo» de relevante influência sobre essa disciplina. Seus admiradores gostam de lembrar que quando fez 10 anos publicou um artigo sobre certa classe de pássaro albino que causou assombro entre os especialistas; que antes de fazer 15 anos, seus artigos sobre moluscos eram conhecidos na Europa toda. É apaixonante penetrar na sua obra começando pela trilogia: O nascimento da inteligência (1936), A construção do real (1937) e a Formação do símbolo (1945). Seguida por uma grande quantidade de livros, conferências e a sua tarefa docente em A Sorbonne e na Faculdade de Ciências de Genebra.

Uma grande parte de suas experiências foi feita com seus próprios filhos. Sente-se, em seus livros, que eles tiveram papel importante nos seus trabalhos. Isto não os perturbou?

Meu filho foi o terceiro a nascer e foi com ele que fiz a maior parte de minhas experiências. Quando entrou para universidade, seus colegas ficaram muito surpresos ao verem chegar um tipo perfeitamente normal.

Como foram feitas suas experiências? Naquela época você estava em Neuchâtel, com instrumental muito simples...

Sempre foi assim. É preciso partir da observação. Quando se descobre um fato interessante, é preciso reproduzir a situação, variando os fatores. É então que começa a experimentação. O método constitui-se no decorrer do processo. Percebi isso claramente.

Há os que olham e não veem nada.

É preciso, certamente, colocar problemas. Devo confessar que sou mais epistemólogo do que psicólogo.

  
Você pode definir o que é a epistemologia?

Epistemologia é a teoria do conhecimento ou, mais especificamente, do conhecimento científico. Ela levanta o problema de saber como a ciência é possível, como o conhecimento é possível.

O objeto principal de seu interesse não era, então, o estudo das crianças em si, mas saber em que medida o estudo delas o ajudaria a resolver esse problema.

Eu era biólogo e, por outro lado, apaixonado por epistemologia. O ideal teria sido estudar o homem em seu desenvolvimento histórico: o homem pré-histórico é mais importante no caso. Mas do ponto de vista psicológico, não se sabe nada sobre ele.

Não existe nenhum estudo sobre os primitivos?

Sobre o verdadeiro primitivo propriamente, isto é, sobre o homem pré-histórico, não. E o suposto primitivo atual está muito distante do que seria um verdadeiro primitivo.

Por quê?

Porque está socializado há séculos. E as pressões sociais são tão fortes, que se torna muito mais difícil dissociar o psicológico do social, o individual do coletivo, no primitivo, do que na criança.

Você acha que a criança é mais próxima da origem do que o chamado primitivo?

Estou convencido disto.

Por quê? A criança, desde a mais tenra idade, também é submetida às pressões sociais?

Oh, não! Duvido. No que diz respeito à inteligência, ela comporta-se por conta própria, já que só imita o que compreende. No momento em que começa a falar, é que a criança é submetida a todos os tipos de pressões sociais. Mas verificamos claramente que estas pressões não influem tanto quanto parecem, pois devem ser assimiladas. E para serem assimiladas necessitam de instrumentos de assimilação. São estes instrumentos que estudamos.

Os conceitos de assimilação e de acomodação são muito importantes para você. Poderia esclarecer de que se trata?

É muito simples. Um organismo absorve substâncias para alimentar-se. Transforma estas substâncias e integra-as, transmitindo a elas sua própria estrutura. Um coelho que come couve não se torna couve. Transforma a couve em coelho. Do mesmo modo, o conhecimento não é nunca simples cópia, mas a integração a uma estrutura. Isto é assimilação.
  
E a acomodação?

Vejamos. Em toda a situação nova, os esquemas de assimilação devem ser modificados em vista da situação exterior. Para o bebê que aprendeu a pegar tudo o que vê, tudo o que vê torna-se "um objeto para pegar", em lugar de "um objeto simplesmente para olhar". Mas se o objeto for grande, - os movimentos a fazer são necessariamente diferentes dos usados para pegar um objeto pequeno. É a acomodação. Da mesma forma, uma teoria geral que serve de assimilação para o raciocínio de um cientista, deve ser acomodada de acordo com os casos particulares.

O que lhe interessa, então, é o estudo dos mecanismos mentais e não a utilização da psicologia como instrumento de ação sobre os indivíduos?

Existe a ciência aplicada e a pesquisa fundamental. Em psicologia, a aplicação é necessária. Isto representa exigência universal. Mas infelizmente fomos obrigados a fazer aplicações antes de se conhecerem os resultados das pesquisas fundamentais, como -acontece em medicina, por exemplo. A aplicação supõe conhecimento exato dos mecanismos mentais. No entanto, como a aplicação é urgente, tivemos de antecipá-la em muitos casos, antes de conhecer esses mecanismos. Foi assim que se estabeleceram testes de inteligência, muito antes de se saber o que era a inteligência.


Você parece ter uma atitude muito hostil em relação aos testes, não?

Hostil, não, porque a grosso modo são úteis. Mas o teste não dá nada mais do que a medida de performance, isto é, a resultante do que o indivíduo consegue fazer em dado momento, frente a determinada situação, ao passo que o importante é saber o que tem no "ventre", o que é capaz de fazer em seguida.

Isso com relação às crianças? Por que os testes atuais são utilizados para os adultos?

Sim, mas o problema é o mesmo. Também com relação ao adulto há o que ele sabe fazer e sua adaptabilidade.

E não existem testes de adaptabilidade?

Em quantidade menor.

E por quê? São mais difíceis?

São muito mais difíceis. Trata-se de julgar uma potencialidade, em lugar de medir uma realidade. E, a meu ver, não se conhece o adulto tanto quanto a criança.

Você nunca trabalhou com adultos?

Não. Mas gostaria. O problema é que toda vez que tentei, as respostas do adulto às perguntas que faço parecem lições aprendidas. O adulto responde o que leu, ouviu ou aprendeu. A criança é dez vezes mais espontânea.

 Não há crianças que são homenzinhos muito sabidos, que repetem lições aprendidas?

Sim, há. Mas nota-se logo. E como são pouco interessantes.

Você as afasta?

Não, mas procuramos questionar as respostas. Um exemplo: uma das nossas perguntas sobre o problema da causalidade refere-se à passagem do estado líquido ao estado sólido, ou o inverso. Com relação ao estado sólido, a criança admite facilmente a existência de partículas ou pequenos grãos: a pedrinha é composta de pequenos grãos de areia, etc.... Mas o que acontece quando o estado é líquido? Os pequenos grãos de areia continuam existindo? "Não, há um momento em que se dissociam, se derretem". Esta é a resposta obtida antes dos 11 anos.
Contudo, vi crianças com 9/10 anos, que me falavam em átomos; dissertavam a respeito da vela que se derrete com o calor: "É muito simples, ela (a vela) é formada de átomos e os átomos separam-se". E depois? "Depois derretem-se". Chegam a falar inclusive de nêutrons. E depois? "Os nêutrons tornam-se água". Como se pode ver, basta insistir nas indagações (método clínico).

E quando se compara a inteligência infantil à inteligência animal? Em que momento aparece a grande diferença?

Você quer que eu diga que a inteligência humana é diferente da inteligência animal?

Não, de modo algum. O chimpanzé, por exemplo, é mais evoluído do que o bebê durante os primeiros meses de vida. É capaz de fazer mais coisas. De repente há um bloqueio. O homem, ao contrário, se desenvolve indefinidamente, ou quase. Por quê?

O bebê, graças à vida social, à linguagem e à função semiótica, adquire a possibilidade de representação e de pensamento, ao passo que a inteligência sensório-motora se limita à coordenação das ações. É apenas prática. O chimpanzé permanece sem dúvida neste nível, na fronteira da função semiótica.

Função semiótica? O que é isto?

É a capacidade de exprimir algo por meio de significantes diferenciados, isto é, por meio da linguagem, da imagem mental, do jogo simbólico, dos gestos, etc.

Esticar os braços, por exemplo, para dizer que é grande.

É um exemplo. Mas a linguagem é um caso particular da função semiótica. Os surdos-mudos têm a função semiótica e não possuem a linguagem articulada.


Continua...
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