quinta-feira, 30 de junho de 2011

Gulliver na praia de Lilliput



Cada geração – sendo nova etapa evolutiva da humanidade – deve ser estimulada a fazer novas regras, livrando-se das antigas: só as aranhas repetem, milênio após milênio, a mesma regra (teia) de viver...O futuro pertence aos jovens.

            Tomemos aquele indivíduo que vai ali passando na rua. Parece um homem só. Faz parte da multidão. Percebe-se, contudo, que não tem afinidades com ela. Junta-se ao aglomerado que olha no alto o satélite americano, mas logo segue caminho, sem deixar marcas nos companheiros que ficam contemplando o céu. Nada mais solitário que um homem que caminha sozinho...
             Tudo engano. Aproximemo-nos dele. É simples elo donde partem e onde vêm terminar inúmeras cadeias: está amarrado pela família, pelos irmãos, pelos parentes. Muito do que faz é provar ao pai que não é o vagabundo que ele julga. Admira o tio e quer imitá-lo. Já tem esposa e filhos que limitam e orientam sua conduta. O emprego (de que não gosta) decorre de suas responsabilidades familiares. Odeia o chefe, inconscientemente, e inveja o companheiro que progride sem esforço. Usa o emblema do clube para sentir-se sócio de outros, para não ser tão só. O talhe de sua roupa tirou-o de figurino francês que garantia aumento de ‘’personalidade’’ a quem a usasse. Freqüenta a roda de amigos de escola e procura dar satisfação aos que perguntam como vai. Parece Gulliver amarrado na praia de Lilliput por milhares de fios invisíveis...
             Se ele fizesse o mapa de suas ‘’ligações’’, dos fios que o prendem ao próximo, veria quanta dependência existe em sua pretensa liberdade. A sociedade com todos os seus grupos pesa sobre seus ombros, impedindo que seja o que deseja, realmente, lá no fundo do coração. Foi levado pela vida como a casca de noz pela corrente... Um dia resolve fazer uma excursão sozinho para ver se se livra do constrangimento dos outros. Mas, leva consigo seu ‘’aquário’’: o grupo está agora em seu interior.
               Disseram-lhe, desde criança, que ele era só. Que podia fazer da vida o que bem quisesse. Contudo, percebe agora que para dar um passo tem que primeiro remover montanhas. Tem de converter meio-mundo para poder expressar uma idéia sem ser linchado pela multidão enfurecida.
             E não foi treinado para viver assim dependente. Para viver em grupo. Toda sua educação baseou-se em suas forças individuais. Em sua ‘’vontade poderosa’’. Em sua autodeterminação. Sente o grupo não como libertação, mas como pesada carga que o esmaga e lhe tira a liberdade. A culpa foi dos pais e dos educadores que o educaram para o individualismo, para não reconhecer um fato básico da natureza humana: o homem é um animal social. Precisa do grupo para realizar-se, como precisa de oxigênio para não morrer asfixiado. Daí pedir-se a organização da vida escolar na base de clubes, de associações, de equipes de estudo, de discussão em grupo. A classe não é aglomerado heterogêneo de adolescentes, cujo ponto de convergência único e inapelável seja o professor na cátedra. A classe tem (quer queira ou não o educador) sua vida grupal. Em vez de lutar contra isso, deve-se aproveitar a organização natural determinada pela via e trabalhar com ela. Professor não é rei do terreiro, mas o orientador que caminha, de grupo em grupo, procurando ajudar e dinamizar a atividade nascente e espontânea. Cada aluno é um elo de uma complexa corrente de relações.
        A aprendizagem fundamental é aprender a influenciar no grupo e a não ser, apenas, uma vítima de pressão social: aprender a ser autônomo junto aos demais. Aprender a estabelecer regras de convivência.
        Numa escola assim, aprenderia o jovem a ser irmão de todos e participante de grupos: os liames que o aproximam das demais pessoas não lhe pareceriam cadeias, mas canais por onde passa, de um para o outro, o amor de que se faz a felicidade. Em vez de contorcer-se em fúria para quebrar as amarras, veria nelas sua completação natural e a fonte de seu enriquecimento espiritual. O cristianismo tem no amor ao próximo o seu grande mandamento: mandatum novum do vobis. Contudo – mesmo nas escolas cristãs – cultiva-se o individualismo e a competição desenfreada, fazendo-se uma pedagogia de acordo com o modelo capitalista de ‘’livre concorrência’’ e da superação do adversário. De nada vale a ‘’pedagogia do amor’’ a que se referem os tratados, se a estrutura escolar se baseia na competição. O amor exige também aprendizado. Não são as exortações que levam o homem à solidariedade. É no íntimo convívio do grupo que descobre-se o ‘’próximo’’. Educar-se não é aprender a obedecer as regras pré-fabricadas: educar-se é aprender a fazer regras cooperativamente.

Conflitos no Lar e na Escola – Teoria e prática da dinâmica de grupo segundo Piaget.
Editora: ZAHAR

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