terça-feira, 3 de novembro de 2015

Introdução à Pedagogia - Capítulo 1 - 1a. parte

INTRODUÇÃO À PEDAGOGIA – 2° edição
Lauro de Oliveira Lima
Editora Brasiliense
Capítulo 1
1º parte

O HOMEM É UM ANIMAL IGNORANTE... (QUE APRENDE)

Quando o organismo (e, por organismo, entenda-se o organismo todo, incluindo a mente) sente uma necessidade (um desequilíbrio, uma lacuna um impulso, uma motivação – existem centenas de nomes para expressar os sintomas das necessidades do organismo), o que faz? Espontaneamente, inicia uma atividade (que denominamos comportamento) com o objetivo de satisfazer a necessidade, isto é, de reestabelecer o equilíbrio. Sendo um sistema aberto, o organismo está em permanente estado de necessidade, precisando retirar do ambiente elementos para conservar sua estrutura (organização). Para isso, precisa estar nas melhores relações possíveis com o meio (adaptação). O processo vital é um jogo permanente entre a organização interna e a adaptação ao meio. Mas, que comportamento o organismo escolherá em cada situação, se as necessidades são tão diferentes umas das outras? Se a necessidade é fome, o comportamento não pode, evidentemente, ser o mesmo que o organismo usaria se estivesse com frio. A cada necessidade corresponde determinado comportamento (“esquema de assimilação” ou estratégia), através do qual a necessidade é satisfeita. São estes “esquemas de assimilação” que põem o organismo em relação com o meio. O organismo assimila o meio através dos esquemas que têm, de modo que, para cada organismo, o meio apresenta-se como se estivesse constituído, especialmente, para satisfazê-lo. Não são os “estímulos” que fazem o organismo agir: os esquemas de assimilação é que procuram alimentar-se (“... no começo está a resposta”). Um “estímulo” só estimula, se o organismo tiver esquemas para assimilá-lo (da grande variedade de raios luminosos presentes no ambiente, só percebemos os que correspondem aos limites de nossa percepção visual, fato que se repete em todas as circunstâncias e em todas as faixas). Mas, de onde provêm esses esquemas? São inatos, adquiridos ou constituídos ao longo do desenvolvimento?
Ora, observando-se os animais (entre eles, incluindo o ser humano), verifica-se que existem três tipos fundamentais de comportamentos ou esquemas de assimilação (chamam-se de “assimilação” porque  servem para incorporar elementos do meio):              1) comportamentos instintivos estereotipados de caráter hereditário: todos os animais da mesma espécie, em certas circunstâncias, comportam-se, automaticamente, da mesma maneira (resta sempre uma faixa de comportamento inventado) ; 2) comportamentos aprendidos por imitação e/ou exercitação: quando surge a necessidade, o animal resolve o problema através de automatismos aprendidos com os demais animais de sua espécie (hábito); finalmente, 3) comportamentos inventados; frente à situação, o animal constrói comportamentos originais, mesmo que a originalidade consista em simples redescoberta de comportamentos que já são usados por sua espécie. Ora, se o comportamento é inato não há escolha: a própria necessidade (ou desequilíbrio) dispara o mecanismo instintivo que a satisfaz, algo parecido com o que ocorre, por exemplo, no funcionamento da geladeira: sempre que a temperatura sobe, um mecanismo automático põe o motor em funcionamento, restabelecendo-se a temperatura planejada. O mesmo ocorre com o comportamento aprendido por imitação, notando-se, porém, que a imitação só é possível se for compatível com o nível de desenvolvimento alcançado pelo organismo (a criança, por exemplo, não imita os mecanismos que o adulto utiliza para comer antes de ter desenvolvido suas coordenações sensório-motoras). Quando o comportamento é inventado (ou reinventado), tudo depende de “ensaio e erro” e das combinações que vão entrar em jogo.
Ora, o ser humano não tem instintos (não confundir instinto, que é um comportamento, com necessidade, que é um sentimento de um desequilíbrio): não apresenta comportamentos estereotipados hereditários comuns a toda a espécie (não faz suas casas sempre da mesma maneira, como os pássaros; não come, apenas, determinada espécie de alimento, como a maioria dos animais; não adota o mesmo “cerimonial”, no acasalamento, como quase todos os seres vivos). Ao contrário da maioria dos animais recém-nascidos, o ser humano nasce sem qualquer comportamento organizado (não sabe sequer mamar; não anda; não coordena as mãos, etc.). Todos os seus comportamentos terão de ser aprendidos (hábitos) ou inventados (inteligência). Se o comportamento não é inato, o moderno problema da pedagogia é saber como o ser humano aprende ou inventa seus comportamentos sensório-motores, verbais e mentais.
O recém-nascido dispõe, apenas de alguns reflexos ou montagens hereditárias correspondentes ao funcionamento local dos órgãos (abrir e fechar os olhos, fechar as mãos, espernear, etc.), estes mesmos dependendo, para atualizar-se, de frequentes exercícios (solidificação dos reflexos). Comparando-se, por exemplo, o recém-nascido humano com um cordeirinho que acaba de sair da placenta, podemos dizer que o ser humano é o animal mais “ignorante” que existe! A infância humana (período de crescimento que vai da concepção ao estado adulto) é a mais longa, na escala zoológica (se considerarmos a pós-graduação como continuação da infância... podemos dizer que a infância dura cerca de trinta anos, embora se deva dizer que, biologicamente, todo animal que pode procriar já é adulto, evidente decalagem entre o biológico e o psico-sociológico). Por que a infância humana é tão prolongada? Precisamente, porque o ser humano não tem comportamentos hereditários (instintos), devendo, quando sente uma necessidade ou enfrenta um problema: 1) aprender a comportar-se (imitação, exercitação, condicionamento, hábitos, automatismos), ou 2) inventar seus próprios comportamentos (inteligência). O grande problema pedagógico é decidir entre hábito e inteligência...

(Continuará)

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