quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Introdução à Pedagogia - Capítulo 1 - 3a Parte

INTRODUÇÃO À PEDAGOGIA – 2° edição
Lauro de Oliveira Lima
Editora Brasiliense
Capítulo 1
3º parte
...A criança, pois, prossegue sua embriologia depois do nascimento, quer complementando o desenvolvimento dos órgãos e tecidos (como ocorre, sobretudo, com o sistema nervoso), quer imitando ou inventando modelos de comportamento (esquemas de assimilação). Assim, como não se pode “acelerar” a gestação uterina, não se pode “atropelar” a construção dos comportamentos, sobretudo por que os comportamentos se formam por diferenciação ou composição de comportamentos mais elementares, precisamente, como ocorreu na construção dos órgãos no útero (construção sequencial). Daí a paciência que é preciso ter-se para “educar” uma criança: temos de acompanhar seu próprio ritmo. A criança não está à disposição do educador para que ele dela faça o que quer (pedagogia, em grego, quer dizer, “conduzi-la”, se obedecermos a seus processos embriológicos). Não se pode ensinar qualquer coisa à criança de qualquer idade: cada “aprendizagem” depende do grau de desenvolvimento alcançado pela criança, fato que complica, enormemente, a escolha das situações que apresentamos às crianças como estímulo pedagógico. Como as crianças têm sofrido, através da história, por querermos que elas adquiram comportamentos incompatíveis com sua embriologia! ... E, mais trágico ainda: quantos comportamentos deixam de ser adquiridos porque não criamos situações adequadas para sua construção, no momento apropriado da gestação (cada comportamento tem sua época própria para formar-se, ao longo do desenvolvimento, momento que, perdido, jamais voltará a apresentar-se)! Durante milênios, a educação das crianças foi totalmente aleatória. Só recentemente (Piaget), começou-se a entender a embriologia do ser humano, tornando-se a educação um processo científico.
Em síntese, todos os seres vivos são sistemas abertos cuja sobrevivência depende do meio. Para assimilar o meio, os organismos usam o comportamento (instintivo, habitual ou inteligente). No caso particular do ser humano, o comportamento nunca é instintivo (salvo algumas “montagens hereditárias” denominadas reflexos): ou é um automatismo resultante da imitação e/ou repetição ou uma estratégia inventada. Para adquirir novos comportamentos (hábito ou estratégia inteligente), o organismo parte sempre de comportamentos anteriores, de tal modo que todo novo comportamento é uma modificação de comportamentos já existentes. A construção de novos comportamentos ocorre ao longo da assimilação da realidade: quando os esquemas são insuficientes para assimilar a realidade, o organismo (mente) vê-se forçado a estruturar esquemas mais complexos e diversificados (acomodação). Só surgem novos comportamentos quando o organismo (mente) está em atividade assimiladora. São os obstáculos encontrados pela assimilação que possibilitam a construção de novos esquemas. O próprio organismo – por determinação do código genético – cria as dificuldades (problemas) para resolver, na busca de assimilar a realidade toda (a realidade é permanente obstáculo para a assimilação). O desenvolvimento do ser humano só se conclui com a “abertura para todos os possíveis” (abertura que está inserida, como possibilidade, em seu código genético). A pedagogia é um esforço técnico-científico de criar condições para que o ser humano realize, embriologicamente, todas as suas possibilidades. Para isto, o educador complexifica, progressiva e sequencialmente, as situações que a criança se veja forçada a criar comportamentos adaptativos, com o cuidado de adequar, qualitativa e quantitativamente, as situações ao momento embriológico (competência), o que implica a complexificação crescente destas situações (o nascimento é um exemplo de complexificação da situação em que o organismo vivia). Quando a complexidade alcança certo nível, o pedagogo, mesmo que deseje, não pode mais recorrer aos hábitos (inteligência curta), tendo de apelar para a inteligência (abertura para todos os possíveis). Depois de milênios de “educação pelos hábitos”, a humanidade descobriu que, desde a mais tenra idade, a criança pode ser “educada pela inteligência”, modelo de comportamento próprio de sua espécie. Mas, a mudança de processo não é tranquila: trava-se, neste momento, nas escolas, cruenta batalha entre a tradição milenar da exercitação e o novo modelo de educação criativa.


quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Introdução à Pedagogia - Capítulo 1 - 2a parte

INTRODUÇÃO À PEDAGOGIA – 2° edição
Lauro de Oliveira Lima
Editora Brasiliense
Capítulo 1
2º parte

...Como se vê, a gestação do ser humano prossegue depois do nascimento (depois que é expelido pelo útero), pelo menos, até 15/16 anos, quando se completa o desenvolvimento do sistema nervoso. Como todo comportamento sensório-motor, verbal e mental depende do estado de desenvolvimento do sistema nervoso (que é a ponte de ligação do organismo com o meio), é muito duvidoso que comportamentos estruturais intrínsecos, como “operações mentais”, construam-se após este período, o que não impede a aquisição de hábitos (comportamentos extrínsecos justapostos dependentes, permanentemente, de reforços do meio) prossiga, indefinidamente (inteligência curta – J. Piaget), notando-se mesmo progressivo decréscimo na capacidade de adquirir os próprios hábitos (“papagaio velho não aprende a falar” – diz o povo). É princípio básico da embriologia que “mutações” ou desvio de creodos só ocorrem nos períodos de crescimento (gestação), o estado adulto caracterizando-se pela estabilidade. O ser humano, pois, tem de 15 a 20 anos para definir seu comportamento sensório-motor, verbal e mental. Toda mãe pode observar quanto tempo é necessário, por exemplo, para a criança bater palminhas ou segurar um objeto; quanto tempo leva para andar ou para falar. É que estes comportamentos dependem de maturações nervosas, e ninguém pode acelerar a maturação do sistema neurônico, que tem seu próprio ritmo (ninguém pode, também, abreviar a gestação da criança, no útero materno: são os ritmos biológicos). É preciso, como se vê, acostumar-nos com a ideia de que o nascimento é fato pouco significativo. A gestação (crescimento) só se conclui quando o animal alcança o estado adulto, caracterizado, biologicamente, pela possibilidade de procriação. Quanto mais complexo é um organismo (máquina), mais tempo leva, evidentemente, para ser construído (infância). Não tem importância que a construção (embriologia) se faça no útero, na bolsa dos marsupiais, no ninho, na proveta, no berço: o importante é que o local da gestação favoreça a construção. Ora, se os comportamentos sensório-motores, verbais e mentais dependem das maturações nervosas (as redes neurônicas são a infraestrutura do comportamento), é compreensível que o final da maturação nervosa coincida como final do desenvolvimento mental, toda aparente “novidade” que venha a ocorrer depois disto explicando-se pelo desdobramento axiomático das estruturas adquiridas, numa espécie de processo dedutivo (tautológico). O trágico dos processos psico-sociológicos é que, dependendo, estritamente, de estimulação do meio, podem ficar a meio caminho, sem concluir-se, como se um feto pudesse sobreviver em estado fetal (psico-sociologicamente, isto é perfeitamente possível, não esgotando o desenvolvimento as possibilidades hereditárias) ...
Os comportamentos aprendidos e/ou inventados constroem-se como foram construídos os órgãos e os instintos, no útero. Como é óbvio, toda construção obedece a uma ordem sequencial, pois a etapa seguinte depende da anterior, tal como na construção de uma casa, em que não se pode colocar o telhado antes das paredes. O mesmo ocorre na construção dos órgãos e dos comportamentos: rastejar, por exemplo, vem antes de andar. É esta sequência logística (encaixe de comportamentos) que torna improvável a retomada de um processo que foi superado pelo desenvolvimento. Mas, os comportamentos não aparecem, espontaneamente, como ocorreria se fossem hereditários (o funcionamento do organismo, por exemplo, é hereditário, donde a diferença entre funcionamento e comportamento). Os comportamentos só se constroem se ocorrerem necessidades (desequilíbrios), donde se dizer que o comportamento depende da interação com o meio (um meio pobre em estimulação pode desestimular a gestação de certos comportamentos ou simplificá-los, empobrecendo-os). Como se vê, depois que a criança “nasce”, não só continua a crescer, como inicia complexa gestação de esquemas de assimilação. Os comportamentos correspondem a verdadeiros órgãos (estruturas), podendo-se dizer que a morfogênese continua fora do útero (não dispor de determinado comportamento é como estar privado de um órgão). A incapacidade de classificar, por exemplo, equivale à cegueira, pois a classificação é uma forma extremamente útil de agir sobre o real. O nascimento (que comemoramos com tantas festas e alegrias) é apenas uma mudança ecológica (mudança de meio). A gestação do ser humano continua, ainda por muitos anos, depois do nascimento. A vida uterina (nove meses) garante apenas as configurações da anatomia e o funcionamento do organismo (fisiologia). Se a criança nascesse antes, poderia ocorrer, na formação de seus órgãos, catastróficas influências do meio. É tão importante o período de nove meses da gravidez, para a construção do biótipo da espécie, que, mesmo no útero, a criança deve ser, artificialmente, protegida de certas influências (ver os efeitos teratológicos da talidomida, na formação dos membros das crianças). Deste modo, a natureza protege a criança, no útero, até o código genético ter construído o modelo que caracteriza, morfologicamente, a espécie. O mesmo irá ocorrer, posteriormente, em suas relações com a sociedade adulta. Quando o animal tem instintos, o comportamento é fabricado juntamente com o funcionamento do organismo (poder-se-ia dizer, pois, que o instinto não é um comportamento, mas um funcionamento). Como a ecologia humana (cultura-civilização) modifica-se com as descobertas e invenções da humanidade, a biologia não pode fabricar, previamente, os comportamentos a ela adequados (não saberia em que grau, nível de complexidade ou etapa estaria a civilização dentro da qual a criança vai nascer). A ecologia dos animais, basicamente, não muda, por isto podem ter instintos. Deste modo, só depois de nascida, a criança iniciará a “embriologia” de seu comportamento, em interação com o modelo de civilização ou cultura em que se encontra (por aí se vê a tolice da convicção sobre vocação). O modelo biológico de ser humano atual foi fabricado, há mais de cem mil anos, de modo que a criança que nasce, hoje, é, absolutamente, igual (biologicamente) a uma que nasceu na pré-história (“toda criança é um bárbaro” – Alain). Se a criança já nascesse com comportamentos estereotipados (instintos), não haveria civilizações como ocorre com os animais (o joão-de-barro e a aranha, há milênios, constroem o ninho e a teia da mesma maneira). O grande problema (que vai decidir a tipologia da sociedade) é se a embriologia (construção) extra-uterina do comportamento das crianças vai optar pela aprendizagem (imitação) ou pela invenção (criatividade) ... é porque as crianças nascem em plena gestação, que existe pedagogia: a da imitação e a da criatividade. Em todo caso, é sempre a criança que constrói o seu comportamento: a pedagogia cria, apenas, oportunidades...

(Continuará)

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Introdução à Pedagogia - Capítulo 1 - 1a. parte

INTRODUÇÃO À PEDAGOGIA – 2° edição
Lauro de Oliveira Lima
Editora Brasiliense
Capítulo 1
1º parte

O HOMEM É UM ANIMAL IGNORANTE... (QUE APRENDE)

Quando o organismo (e, por organismo, entenda-se o organismo todo, incluindo a mente) sente uma necessidade (um desequilíbrio, uma lacuna um impulso, uma motivação – existem centenas de nomes para expressar os sintomas das necessidades do organismo), o que faz? Espontaneamente, inicia uma atividade (que denominamos comportamento) com o objetivo de satisfazer a necessidade, isto é, de reestabelecer o equilíbrio. Sendo um sistema aberto, o organismo está em permanente estado de necessidade, precisando retirar do ambiente elementos para conservar sua estrutura (organização). Para isso, precisa estar nas melhores relações possíveis com o meio (adaptação). O processo vital é um jogo permanente entre a organização interna e a adaptação ao meio. Mas, que comportamento o organismo escolherá em cada situação, se as necessidades são tão diferentes umas das outras? Se a necessidade é fome, o comportamento não pode, evidentemente, ser o mesmo que o organismo usaria se estivesse com frio. A cada necessidade corresponde determinado comportamento (“esquema de assimilação” ou estratégia), através do qual a necessidade é satisfeita. São estes “esquemas de assimilação” que põem o organismo em relação com o meio. O organismo assimila o meio através dos esquemas que têm, de modo que, para cada organismo, o meio apresenta-se como se estivesse constituído, especialmente, para satisfazê-lo. Não são os “estímulos” que fazem o organismo agir: os esquemas de assimilação é que procuram alimentar-se (“... no começo está a resposta”). Um “estímulo” só estimula, se o organismo tiver esquemas para assimilá-lo (da grande variedade de raios luminosos presentes no ambiente, só percebemos os que correspondem aos limites de nossa percepção visual, fato que se repete em todas as circunstâncias e em todas as faixas). Mas, de onde provêm esses esquemas? São inatos, adquiridos ou constituídos ao longo do desenvolvimento?
Ora, observando-se os animais (entre eles, incluindo o ser humano), verifica-se que existem três tipos fundamentais de comportamentos ou esquemas de assimilação (chamam-se de “assimilação” porque  servem para incorporar elementos do meio):              1) comportamentos instintivos estereotipados de caráter hereditário: todos os animais da mesma espécie, em certas circunstâncias, comportam-se, automaticamente, da mesma maneira (resta sempre uma faixa de comportamento inventado) ; 2) comportamentos aprendidos por imitação e/ou exercitação: quando surge a necessidade, o animal resolve o problema através de automatismos aprendidos com os demais animais de sua espécie (hábito); finalmente, 3) comportamentos inventados; frente à situação, o animal constrói comportamentos originais, mesmo que a originalidade consista em simples redescoberta de comportamentos que já são usados por sua espécie. Ora, se o comportamento é inato não há escolha: a própria necessidade (ou desequilíbrio) dispara o mecanismo instintivo que a satisfaz, algo parecido com o que ocorre, por exemplo, no funcionamento da geladeira: sempre que a temperatura sobe, um mecanismo automático põe o motor em funcionamento, restabelecendo-se a temperatura planejada. O mesmo ocorre com o comportamento aprendido por imitação, notando-se, porém, que a imitação só é possível se for compatível com o nível de desenvolvimento alcançado pelo organismo (a criança, por exemplo, não imita os mecanismos que o adulto utiliza para comer antes de ter desenvolvido suas coordenações sensório-motoras). Quando o comportamento é inventado (ou reinventado), tudo depende de “ensaio e erro” e das combinações que vão entrar em jogo.
Ora, o ser humano não tem instintos (não confundir instinto, que é um comportamento, com necessidade, que é um sentimento de um desequilíbrio): não apresenta comportamentos estereotipados hereditários comuns a toda a espécie (não faz suas casas sempre da mesma maneira, como os pássaros; não come, apenas, determinada espécie de alimento, como a maioria dos animais; não adota o mesmo “cerimonial”, no acasalamento, como quase todos os seres vivos). Ao contrário da maioria dos animais recém-nascidos, o ser humano nasce sem qualquer comportamento organizado (não sabe sequer mamar; não anda; não coordena as mãos, etc.). Todos os seus comportamentos terão de ser aprendidos (hábitos) ou inventados (inteligência). Se o comportamento não é inato, o moderno problema da pedagogia é saber como o ser humano aprende ou inventa seus comportamentos sensório-motores, verbais e mentais.
O recém-nascido dispõe, apenas de alguns reflexos ou montagens hereditárias correspondentes ao funcionamento local dos órgãos (abrir e fechar os olhos, fechar as mãos, espernear, etc.), estes mesmos dependendo, para atualizar-se, de frequentes exercícios (solidificação dos reflexos). Comparando-se, por exemplo, o recém-nascido humano com um cordeirinho que acaba de sair da placenta, podemos dizer que o ser humano é o animal mais “ignorante” que existe! A infância humana (período de crescimento que vai da concepção ao estado adulto) é a mais longa, na escala zoológica (se considerarmos a pós-graduação como continuação da infância... podemos dizer que a infância dura cerca de trinta anos, embora se deva dizer que, biologicamente, todo animal que pode procriar já é adulto, evidente decalagem entre o biológico e o psico-sociológico). Por que a infância humana é tão prolongada? Precisamente, porque o ser humano não tem comportamentos hereditários (instintos), devendo, quando sente uma necessidade ou enfrenta um problema: 1) aprender a comportar-se (imitação, exercitação, condicionamento, hábitos, automatismos), ou 2) inventar seus próprios comportamentos (inteligência). O grande problema pedagógico é decidir entre hábito e inteligência...

(Continuará)

domingo, 18 de outubro de 2015

Para que Servem as Escolas - Capítulo 2 - Parte 2 (fim)

PARA QUE SERVEM AS ESCOLAS
Lauro de Oliveira Lima
Ed. Vozes
2
2º Parte

O MAIOR CIRCO DA TERRA


...  As unidades escolares são gânglios da imensa rede burocrática cujo modelo de funcionamento é regido por uma enciclopédia de portarias, ordens de serviço, pareceres, decretos (legislação escolar), que tem por finalidade uniformizar o funcionamento das unidades do sistema e impedir qualquer iniciativa individual de diversificação. Os profissionais que executam as tarefas previstas não têm qualquer liberdade de ação. Funcionam como bonecos de ventríloquo (todos se queixam de não melhorarem por serem impedidos pelo “regulamento”). Qualquer veleidade de maior eficiência e de obtenção de melhores resultados ou de modernização é bombardeada pela niveladora máquina burocrática, que não admite diferenças qualitativas. Todos os profissionais são tratados como absolutamente iguais quanto a seus níveis de competência. Para garantir (?) o funcionamento do processo escolar (o ato simples e primitivo de dar aula), o professor se vê, portanto, assessorado por imenso aparato burocrático que começa no MEC e nas secretarias de educação, passa pelos conselhos (produtores de imensa montanha de pareceres) até chegar as unidades escolares, com seu exército de burocratas e técnicos. O aluno circula dentro desta imensa engrenagem de forma anônima, e sai, no final da linha de produção, promovido ou reprovado!
            Tudo isso contrasta com a agilidade e eficiência das unidades escolares autônomas. Em alguns países, tenta-se superar esse confuso e ineficaz gigantismo, ora com o “cheque-educação”, fornecido a cada aluno para pagar sua matrícula no sistema particular, ora com o financiamento das escolas particulares, diretamente ou mediante o pagamento governamental do corpo docente. Pensa-se, também, em entregar as unidades escolares à comunidade (associação de pais e mestres), estimulando-se, assim, a sua autonomia e diversificação. Dificilmente, o Estado burocrático brasileiro, construído na Colônia pelo modelo centralizado, adotaria esses tipos de solução. Contemplando-se os estertores dessa geringonça burocrática, sempre a pique de desintegrar-se pelos entrechoques de suas contradições internas, pode-se compreender a estranheza com que são encaradas as propostas pedagógicas!  Toda essa burocracia tem por finalidade fornecer, com ou sem merecimento, um certificado aos gênios ou aos débeis mentais, a fim de credenciá-los a exercer uma função dentro do sistema de produção, sem jamais testar ou avaliar a autenticidade de sua tarefa!
            Todos nós que lutamos pela “escola pública” esquecemos este processo esclerótico das instituições gigantescas: malandragem, ociosidade, fraude, inércia, burocracia, etc., com perda total das finalidades intrínsecas da instituição. O povo brasileiro desconfia fortemente da escola pública. Prefere lutar pela “modicidade das anuidades na escola particular” do que pela expansão da escola pública, escola que fica reservada aos marginais, aos favelados e ao proletariado. Assim mesmo, famílias de baixa renda fazem enormes sacrifícios para manter seus filhos na rede particular, fato que, por si só, denuncia o baixo nível da escola pública. Jamais se cria a meta característica das democracias: “a escola popular, universal e gratuita para todos”. Nos cursos de mestrado, esta escola é apresentada como “reprodutora” das injustiças sociais ou simplesmente trocada pela “educação popular” (adultos): a escola que prepara o militante para a revolução social… Terminou o ciclo ideológico em que se confundia público com governamental (“mecanismos da liberdade”) e em que a socialização equivalia à estatização.
            Está na hora de repensarmos a escola pública (democrática, para todos, gratuita, sem ser burocrática ou governamental). A quem cabe essa reflexão? Os próprios países socialistas, neste momento, procuram soluções socialistas que não equivalem à estatização. Nada justifica que o funcionamento universal da educação tome a forma atual de escola pública: o que se pretende não é transmitir uma ideologia, mas garantir oportunidades educacionais para todos. Em geral, os mesmos mestres atuam, simultaneamente, na escola privada e na escola pública, sinal de que não se trata de garantir determinada doutrinação (as escolas particulares podem ser laicas, como a escola pública). O “cheque-educação” distribuído pelo Poder Público a todos os indivíduos escolarizáveis, por exemplo, é uma solução (pública) de manutenção do sistema escolar.
            Existem as mais variáveis soluções para se evitar a criação desse imenso circo ingovernável. Recentemente, os professores das escolas públicas permaneceram meses sem dar aulas, sem que a comunidade tivesse meios de enfrentar o problema. O Poder Público poderia reservar para si a função de fiscalizar o funcionamento do sistema escolar, exigindo alto nível de eficiência e produtividade. Dificilmente o Poder Público pode exercer a função de administrar o sistema escolar e fiscalizar o seu funcionamento. No Ceará, houve uma descoberta de fraude generalizada nas folhas de pagamento do magistério, com a multiplicação de contratos ilegais, havendo professores que recebiam por oitocentas aulas mensais! ... há um princípio administrativo que diz: “Se é grande, não presta! ”. O sistema escolar é a empresa mais gigantesca da terra…


sábado, 3 de outubro de 2015

Para que Servem as Escolas - Capítulo 2 - 1a parte: O maior Circo da Terra

PARA QUE SERVEM AS ESCOLAS
Lauro de Oliveira Lima
Ed. Vozes
2
1º Parte

O MAIOR CIRCO DA TERRA

            No Estado do Rio de Janeiro estão matriculados, nos cursos pré-vestibulares, quase dois milhões de alunos, que precisam de mais de 50 mil professores e outras tantas salas de aula, agrupadas em cerca de 4 mil escolas.
            Durante uma entrevista (abril de 1989), o secretário de educação do Rio de Janeiro refere-se a 100 mil professores estaduais, dos quais 25%, diz ele, estão afastados da função de magistério (deformação administrativa presente em todos os Estados da Federação). O Estado de São Paulo gasta 82% de todos os seus recursos (1982) com pessoal, para manter 4 milhões e 800 mil alunos em quase 6 mil escolas. Pode-se imaginar a complexa e emaranhada teia burocrática para movimentar essa imensa multidão de alunos, professores, diretores, supervisores, delegados, merendeiras, serventes, vigias, funcionários burocratas, orientadores, inspetores, bedéis, nutricionistas, dentistas, psicólogos, médicos, vigilantes, bibliotecários, arquivistas, recreadores, secretárias, etc., etc., etc., em permanente processo de transferência, aposentadoria, assistência médica, licenças, requisição para outros órgãos, tudo corrompido pela mais torpe politicalha. Sendo o magistério o maior corpo de funcionários públicos, é compreensível que nele interfiram, preferencialmente, os políticos que asseguram sua posição por meio do tráfico de influência. Milhares de professores permanecem indefinidamente fora do trabalho, protegidos por esses políticos.
            Cerca de vinte e cinco mil professores estão “à disposição” de políticos, no Estado do Rio de Janeiro. Multiplique-se isso pelo que ocorre nos demais Estados … e teremos duzentos, trezentos mil professores pagos para não fazer nada! ...       As escolas foram transformadas, recentemente, em refeitórios, onde são fornecidas 50 milhões de refeições diárias, atividade que, por si só, absorve a maior parte da atividade escolar diária, quase não sobrando tempo para os trabalhos de classe. Só no Estado de São Paulo são 250 delegacias cuja função é acionar a engrenagem burocrática quando a torneira enguiça em alguma unidade perdida na fronteira.
            A partir desses dados, localizados em dois Estados, pode-se avaliar a complexidade do sistema escolar do país. Para financiar essa imensa engrenagem, o Poder Público investe 18% do orçamento da República e 25% do orçamento dos Estados e dos municípios. É o investimento mais oneroso para a comunidade (impostos), indagando-se, hoje, se esse gasto produz retorno! Dificilmente encontrar-se-ão, no sistema internacional de produção, empresas de tal magnitude. É evidente que um aglomerado desse porte não pode ser “governado”, rolando burocraticamente, segunda a lei da inércia. A impossibilidade de uma contínua reciclagem e atualização do pessoal torna o sistema obsoleto e refratário a toda mudança modernizadora. A imensa máquina, sem controle, gerida aos trancos e barrancos por um sindicalismo classista, sem nenhuma sensibilidade para os reais objetivos do sistema (educar as novas gerações), cuida, exclusivamente, de seus próprios interesses (reinvindicação salarial), distanciando-se, progressivamente, de suas finalidades. Saí, a vulnerabilidade do sistema ao tráfico de influência e às pressões recebidas de todos os lados pelos professores para escaparem de suas obrigações funcionais, através de férias, licenças, disponibilidade, doenças fictícias, cursos irreais, transferências, faltas, aposentadoria, embromação nas aulas, etc. Os palhaços deste grande circo disputam entre si para ver quem melhor engambela a plateia (o povo brasileiro).

            A tentativa de controlar este desengonçado monstrengo produz esclerótica burocracia, que emperra seu funcionamento e cria um estado permanente de carência de recursos e de decadência material. Dessa forma, a rede do sistema escolar, frequentemente depredada por grupos de delinquentes, vive em constante estado de deterioração e sem funcionamento de suas instalações fundamentais (banheiros, bebedouros, etc.). A simples constituição  do corpo docente transforma-se em processo algébrico  que os computadores não conseguem resolver, dada a permanente flutuação dos funcionários, em constantes revoadas migratórias, transferências, aposentadorias, doenças, etc. Executa-se o ano letivo com o elenco das disciplinas incompleto, resolvendo-se esta irregularidade através  da química dos registros escolares, com dados (frequência, notas, exames, etc.) fraudulentos (os registros, tanto escolares quanto burocráticos e contábeis, são fraudados, ao sabor da administração ou sob pressão da corrupção). O prejuízo que advém aos alunos (ausência de certas disciplinas do currículo, por exemplo) não é considerado, não se aceitando reclamações das famílias. Na escola pública, a clientela, isto é, o povo, não pode interferir, pois o funcionário público brasileiro não tem consciência de que é pago pelos impostos arrecadados dos cidadãos! Por outro lado, o povo não tem consciência de que a “escola pública” é propriedade sua (impostos) agindo como se recebesse um benefício do governo (ver os pistolões para obtenção de matrícula: jamais uma família interpelou judicialmente o Poder Público para assegurar a matrícula para seus filhos). A direção da escola comporta-se arrogantemente para com a clientela e os professores não admitem críticas a sua precária atividade...

quarta-feira, 15 de julho de 2015

MODERNIZAÇÃO DAS ARTES TRADICIONAIS 2º parte

Livro: Para que servem as escolas
Autor: Lauro de Oliveira Lima
Editora Vozes
1
MODERNIZAÇÃO DAS ARTES TRADICIONAIS

2º parte

...  Não se sabe como ensinar línguas, nem a razão do espetacular fracasso dos alunos em matemática, em todos os tempos e lugares. Em vez de pesquisarem esses problemas objetivos, os cursos de formação de professores discutem “o caráter político da educação”. Nunca se discute se esse pitoresco problema introduzido no programa surge na amamentação, que seria a forma embrionária da “exploração do homem pelo homem”! Dominada por soluções ideológicas deste tipo, a indústria soviética tornou-se obsoleta, salvo no setor aeroespacial, dizendo-se lá que “os foguetes funcionam, mas os liquidificadores vivem em pane”. Só agora, um novo líder tenta ser realista com o sistema de produção, inclusive “despolitizando” o sistema escolar, cujo atraso é histórico e universal. Como enfrentar o histórico e universal fracasso do processo escolar? Por que, em todas as demais “artes tradicionais”, aumenta constantemente a eficiência do processo e a quantidade e a qualidade do produto, enquanto a educação piora, ao longo do tempo, os resultados, como consta de recente relatório da UNESCO? O processo escolar tangencia os da arte de comunicação, onde os progressos tecnológicos (satélites) são, simplesmente, espetaculares, sem que essa proximidade tenha a mínima influência no manejo didático! O professor é o único profissional que não se esforça para demonstrar que, por trás de sua “arte”, existe um acervo de conhecimentos científicos, mesmo porque confunde o conhecimento (conteúdo) que possui de uma disciplina com a “arte de transmitir” (pedagogia, metodologia, didática, etc.), para falarmos a linguagem tradicional, pois hoje sabe que ninguém “transmite” nada a ninguém. A tola discussão entre “escola nova” e “métodos tradicionais”, ressuscitada por um grupo de acadêmicos anacrônicos, prova um fato elementar: o sistema escolar não tem conseguido assimilar a pesquisa científica, transformando-se num anacronismo frente à modernização das “artes tradicionais”.
            Uma das explicações é o fato de a educação iniciar-se com a puericultura: qualquer mãe, mesmo oligofrênica, julga-se com o direito de “educar” (é o chamado “instinto materno”, responsável por frequentes infanticídios). Nas classes abastadas, o recém-nascido é entregue a um agente de presença generalizada no processo cultural denominado babá, o que de pior pode existir para a criança como “modelo” de desenvolvimento mental (a babá é responsável pela permanência da maior parte das interpretações mágicas sobreviventes na mente da humanidade). No fundo, o professor não é senão uma babá sofisticada, com um anel de esmeralda um diploma que lhe garantem o ingresso na mais grave das profissões: o magistério. Felizmente, nossos filósofos, ao contrário do que fizeram na União Soviética, não invadiram a arte culinária, a pecuária, a fundição de metais! Se tivessem tido essa oportunidade, ainda estaríamos na pré-história; no mínimo, estariam grasnando, como fazem na “arte de educar”: “Voltemos aos métodos tradicionais”! … O processo civilizatório não é senão a “marcha da racionalização”: substituição da magia, do empirismo e da intuição por operações racionais! Nossa educação, como na tribo primitiva, continua a ser um artesanato elementar, com alguns passes do feiticeiro. Para se ter certeza disso, analise-se os chamados “planos de aula”, peças elucubradas sem nenhuma referência a fatos científicos. A alimentação, hoje, é confeccionada por um nutricionista, técnico que, por hipótese, conhece as relações do alimento (conteúdo) com o organismo (mente). O professor nada sabe sobre epistemologia do conhecimento (conteúdo) e sobre processos mentais de assimilação (psicologia da inteligência)! Como converter este “tecelão” anacrônico de que, há mais de um século, foi inventado o tear?! Como convence-lo de que não pode concorrer com a televisão e o computador?! Como convence-lo de que a memória eletrônica e os robôs subverteram as metas históricas do sistema escolar?! Como convence-lo de que é um fóssil sobrevivente num mundo transfigurado?! Ninguém sabe como convence-lo … Ninguém abala a convicção que o professor te, de que é competente, mesmo contrastando com o mundo técnico-científico em que vive! Como, então, reformar a educação? O Jornal do Brasil, de 6 de janeiro de 1988, trazia uma manchete sugestiva para o tratamento de mestres esclerosados: “Desprogramação recupera fanáticos na Espanha”. Trata-se de uma equipe que tenta reaver para os pais os filhos “sequestrados” por seitas religiosas. O poder público poderia criar um serviço parecido para “desprogramar” o professorado tradicional, incapaz de reciclar seu comportamento profissional, para sintonizá-lo com a tecnologia e a ciência atuais!

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terça-feira, 30 de junho de 2015

MODERNIZAÇÃO DAS ARTES TRADICIONAIS 1º parte

Livro: Para que servem as escolas
Autor: Lauro de Oliveira Lima
Editora Vozes
1
MODERNIZAÇÃO DAS ARTES TRADICIONAIS

1º parte

            A humanidade elaborou, ao longo das eras, uma série de “artes (técnicas) correspondentes a suas necessidades básicas: a arte culinária, a agricultura, a cerâmica, a pecuária, a tecelagem, a arquitetura, a engenharia, a puericultura, a medicina … e a educação. Grande parte da evolução civilizatória (cultura) baseia-se na simples substituição progressiva de modelos de ação empírica por modelos tecnológicos baseados na pesquisa científica (influência da racionalidade no comportamento prático). A modernização consiste, pois, em dar bases científicas a essas atividades e em inventar novas técnicas que tornem mais eficiente, eficaz e econômico o processo de produção. Tem sido espetacularmente drástica e acelerada as mudanças ocorridas, nos últimos séculos, nessas velhas “artes”. A invenção do tear, por exemplo, produziu, quase sozinha, a “revolução industrial” (processos mecânicos de tecelagem). O mesmo vem acontecendo, por exemplo, na agricultura, na pecuária, na arquitetura. Mas onde a ciência e a tecnologia subverteram profundamente uma “arte tradicional” foi na medicina (a expectativa de sobrevivência passou de 27 anos, em Roma, para quase 80 anos, hoje, nos Estados Unidos. A medicina transformou-se em “engenharia genética”, manipulando o próprio núcleo da vida através da “biologia molecular”. O médico (função exercida até pelos barbeiros, que funcionavam como cirurgiões) precisa, hoje, ser cientista (no mínimo os cientistas formulam as técnicas que o médico comum aplica, por vezes sem entender muito o que irá ocorrer no organismo). Fatos parecidos podem ser encontrados na evolução de quase todas as “artes tradicionais”, até mesmo na “arte culinária”. Menos em educação! A pedagogia, a puericultura, a didática, o processo escolar e a metodologia não se diferenciam, hoje, dos modelos usados na “iniciação tribal” (pré-história), em Roma, em Esparta, na Idade Média, antes da Revolução Francesa. Pelo contrário: o “fracasso escolar” (histórico e universal) parece aumentar com o correr do tempo (reprovação, evasão, baixo rendimento, perda de conhecimento, fraude, etc.). A pesquisa científica (psicologia, biologia, genética, epistemologia genética, neurologia, etc.) não influi na tecnologia educacional. O professor, agente da educação, comporta-se, hoje, como um simplório artesão tradicional, repetindo habilidades imemoriais. Se Aristóteles (450 aC) voltasse ao mundo, verificaria que os professores repetem, ainda, o seu modelo (peripatético) de dar aula, em meio a parafernália de um universo dominado pela sofisticada tecnologia. Isso na melhor das hipóteses, pois um grupo de  iniciados (conhecimentos infusos) propõe agora as mais pitorescas atividades , a título de “educação”: espontaneísmo, escola selvagem, ortofrenia, psicanálise, logopedia, educação artística, educação popular, pedagogia do amor, etc., abandonando totalmente as tentativas tradicionais de ensinar (conteúdo) e de treinar (habilidades), de tal modo que, alarmado, um grupo de educadores simplesmente prega a “volta à pedagogia antiga”, pelo menos como estratégia  (curvatura da vara) de retomada do bom senso (a finalidade indiscutível da escola é ensinar). Pulamos dos processos empíricos tradicionais para as fantasias modernas procedentes do pensamento mágico (o despertar dos mágicos). Não é de se admirar. Na medicina também existem regressionistas, apesar de alguns deles usarem “marca-passo”, drogas para desobstruir as coronárias, pontes de safena, muitos já macróbios, com imensa dívida para com a medicina moderna, não havendo meios de convence-los das sandices das soluções mágicas que propõem, o que equivale ao curandeirismo atávico (recentemente, um cientista patrício submeteu-se, em público, à pajelança praticada por dois feiticeiros indígenas). Por que o processo educacional não se moderniza, indo buscar na ciência e na tecnologia, os instrumentos de eficiência e eficácia? Por que o “fracasso escolar” aumenta em vez de diminuir, ao contrário do que ocorre em todas as demais “artes tradicionais”? Por hipótese (somente por hipótese), o magistério (os agentes da educação) deveria dominar as mais recentes e complexas conquistas científicas e tecnológicas da humanidade, para transmiti-las às novas gerações, como se fazia na pré-história, através da “iniciação tribal” (a educação continua a ser uma “iniciação tribal”) - pelo menos é a tarefa que a sociedade atribui ao magistério: ensinar conteúdos. O professor deveria ser o transmissor das melhores conquistas da “tribo”, como foi na pré-história! Contudo, cotejando-se esse grupo profissional com os demais (médicos, agrônomos, nutricionistas, engenheiros, etc.), verifica-se que é o grupo menos informado sobre a pesquisa científica, sobretudo a pesquisa referente a sua área profissional (psicologia, biologia, genética, história do conhecimento científico, epistemologia genética, etc.). Ainda hoje (problema que vem da Grécia e da Roma Antiga) não se sabe como alfabetizar uma criança. Existem centenas de métodos conflitantes, mantendo-se o fracasso escolar no mesmo nível histórico...

(Continuará...)

terça-feira, 16 de junho de 2015

O Desenvolvimento da Inteligência Tende para uma Estruturação Lógico-Matemática (3º parte)


(3a. parte)
Livro: Piaget para Principiantes.
Editora: SUMUS Editorial

O Desenvolvimento da Inteligência Tende para uma Estruturação Lógico-Matemática (págs. 51 e 52) (3º parte)

... J. Piaget, concordando com Kantor, afirma que, mais que as noções de “conjunto” devem ser ensinadas (desenvolvidas), nas crianças as intuições topológicas de onde derivam, geneticamente (reconstrução da arquitetura da matemática), as “intuições geométricas” (das geometrias projetivas e euclidiana), com a agravante de estes mecanismos estarem estreitamente, ligados à “construção do real” (representação do mundo) onde procedem os processos semióticos (dentre os quais a linguagem é o mais relevante). Tradicionalmente, a matemática inicia-se por operações elementares como número e medida (a ponto de os matemáticos suporem que estas noções eram formas a priori ou intuições básicas). Ora, não se pode operar sobre algo que não existe ainda, mentalmente: sem a combinação das noções de classe, série e correspondência não existe o número (salvo como uma palavra sem sentido) e sem as noções de contínuo, partição e deslocamento não existe a medida. Jean Piaget demonstra, por exemplo, que a noção de conservação (entre outras) deriva do grupo dos deslocamentos e que a conservação é a noção mínima para se poder contar e medir... Quando a criança domina, operativamente, as noções de número e medida, está a ponto de alcançar as operações abstratas que predominam nos processos matemáticos.

         O grande problema, portanto, é a pré-história da matemática. É difícil discutir-se com um matemático este problema, pois as noções pré-históricas da matemática não aparecem nos tratados elementares de matemática (e os matemáticos não se dão ao trabalho de estudar, por exemplo, a “gênese do número”). J. Piaget dedica dois volumes de quinhentas páginas cada um para descrever a embriologia das “intuições geométricas”, mostrando como das “homeomorfias” topológicas nascem as noções projetivas e a métrica euclidiana (o que corresponde, de maneira notável, às explicações teóricas da construção das geometrias). O grande trabalho do pedagogo, pois, não é descobrir uma “didática da matemática” (e a didática da matemática é o próprio método hipotético-dedutivo), mas planejar atividades didáticas que contribuam para a tomada de consciência de “embriologia das noções elementares da matemática” (atividade que ocupará um período de nove anos na vida da criança). A teoria de J. Piaget caracteriza-se pelo construtivismo (que por sinal é a forma de inventar a matemática), de modo que, a partir das atividades sensório-motoras, o pedagogo tem que encontrar processos didáticos que levam à construção das “noções elementares” da matemática. Quase nada se pode obter para isto dos matemáticos que partem de “intuições” que só aparecem no final deste longo período. O mesmo se pode dizer dos lógicos (os lógicos, também, não se dão ao trabalho de estudar a embriologia das noções elementares da lógica). O pedagogo, pois, tem que aprender um mínimo de matemática (teórica) para conduzir o desenvolvimento das crianças até o limiar das noções elementares usadas pelos matemáticos...

sábado, 6 de junho de 2015

O Desenvolvimento da Inteligência Tende para uma Estruturação Lógico-Matemática (2º parte)

(2º parte)
Livro: Piaget para Principiantes.
Editora: SUMUS Editorial

O Desenvolvimento da Inteligência Tende para uma Estruturação Lógico-Matemática (págs. 50 e 51)
(2º parte)
... A matemática hipotético-dedutiva (abstrata) dos matemáticos, portanto, é antecedida: a) de dois anos de atividades sensório-motoras (encaixes, ordenações e correspondências concluídas com a síntese do grupo dos deslocamentos); b) de cinco anos  de construções mentais (função semiótica) de alinhamentos (ordenações),  classificação (arranjos figurais), correspondências e cópia de modelos (concluídas com a síntese das noções de função e de identidade); c) de quatro anos de construção dos chamados “entes” matemáticos gerados pelas noções de seriação, classificação, partição (noções de número e deslocamento, medida, matrizes multiplicativas, quantificações de inclusões e de grandezas e conservações fundamentais).
         Existe, portanto, do ponto de vista pedagógico, uma pré-matemática (de fato, uma lógica elementar) correspondente: a) ao período sensório-motor; b) ao período simbólico; e c) ao período das operações concretas (agrupamentos de seriação, classificação, simetria, substituição, tábua de dupla entrada e árvore genealógica). Só após dominar estes elementos   infra estruturais, pode a matemática hipotético-dedutiva (a matemática é definida como uma ciência hipotético-dedutiva) ser apresentada à criança nas vésperas de sua entrada na adolescência. A chamada matemática intuitiva, de fato consta de longa elaboração operativa de coordenações de atividades e de estruturas elementares (estruturas de rede, de grupo, e estruturas topológicas). Em todos os chamados “entes” matemáticos (número, medida, constância, linhas, contínuo, etc.) estão latentes combinações de três estruturas-mães que são comuns à matemática e à inteligência em geral: a) estruturas algébricas (cujo modelo são os diversos tipos de grupos); b) estruturas de ordem (cujo modelo são as redes, lattices ou malhas) e c) as estruturas topológicas finitas elementares (cujos modelos são as vizinhanças, fronteiras, contínuo, donde surgem as chamadas “intuições geométricas”, isto, tanto no desenvolvimento da criança, como na reconstrução teórica das matemáticas modernas, segundo os Bourbaki).
         Para orientar uma proposta “curricular” destinada ao pré-primário (de dois a onze/doze anos) pode o pedagogo tomar como ponto de referência estas estruturas e suas combinações, de modo que possa ter certeza de que a criança construiu mentalmente (depois de construir sensório-motoramente), a estrutura de que se vai servir a matemática dos tratados elementares destinados às crianças. Ora, depois de dominadas estas       pré-noções matemáticas, a criança está habilitada a enfrentar com êxito os processos hipotéticos dedutivos da matemática, de modo que os processos “pedagógicos” se tornam irrelevantes (o método hipotético-dedutivo já é a “pedagogia” da própria matemática).
         A grande novidade, portanto, em matéria de “didática da matemática”, é a descoberta de que as “noções elementares” da matemática não tem nada de “elementares” precisando de um longo período de construção que vai do nascimento da criança aos onze/doze anos. É mesmo provável que as dificuldades históricas no aprendizado da matemática decorram de se considerarem “intuitivas” noções que demandam longa elaboração operativa. Kantor sugeriu que as noções de “conjunto” deviam ser ensinadas às crianças por serem, geneticamente (reconstrução da arquitetura da matemática) noções elementares (como as noções de correspondência que aprecem muito cedo no desenvolvimento da criança) ...

(Continuará)

sábado, 16 de maio de 2015

O Desenvolvimento da Inteligência Tende para uma Estruturação Lógico-Matemática (parte 1)


Livro: Piaget para Principiantes.
Editora: SUMUS Editorial

O Desenvolvimento da Inteligência Tende para uma Estruturação Lógico-Matemática (págs. 49 e 50)
(1º parte)

Num artigo inserido em L’enseignement des Mathématiques, T. I., Nouvelles Perspectives, Delachaux et Nestlé, 1965, Jean Piaget lembra que as estruturas-mães (Bourbaki) que os matemáticos consideram fundamentais, primitivas e irredutíveis (hoje, os matemáticos encontram “estruturas” ainda mais primitivas, como os morfismos, categorias, e funções, presentes, também, no desenvolvimento das crianças) são também as estruturas básicas que iniciam o desenvolvimento da inteligência das crianças, apresentando-se, nos dois primeiros anos, como atividades ainda sensório-motoras. Deste modo, a matemática pode ser apresentada como a sistematização (no plano hipotético-dedutivo) dos processos operativos usados pela inteligência desde a mais terna idade da criança, podendo-se dizer que, também a matemática, nos seus inícios não é senão a “coordenação das ações” (juntar, separar, incluir, etc.).
         Como a inteligência é, fundamentalmente, um processo combinatório, é evidente que, desde os primeiros momentos desta construção, as estruturas se combinam entre si, sem contudo, perder sua identidade. Só agora os matemáticos estão compreendendo (reorganização) que certas construções matemáticas, aparecidas historicamente, em primeiro lugar, são de fato, muito anteriores, na ordem genética da construção (“o que é primeiro na ordem da construção aparece por último na ordem de análise ou de tomada de consciência”). Assim é que, só recentemente, os matemáticos admitiram que as chamadas “intuições geométricas” (base das geometrias projetivas e euclidianas) não são intuições nem muito menos “entes”, mas resultado de longa e complexa construção a partir de “intuições” topológicas (vizinhança, fechamento, fronteira, etc.). Ora, a topologia, como disciplina matemática, só aparece, historicamente, recentemente.
         Esta descoberta é de importância excepcional para a pedagogia da matemática. Todo o estudo de geometria, projetiva e euclidiana, desta forma, deixa de partir de certas constâncias ou invariâncias tidas como a priori (linha, contínuo, distância, comprimento, correspondência, “intuições geométricas”, etc.) para começar pelas “intuições” topológicas. A construção das chamadas “intuições geométricas” exige um período de cerca de cinco anos no desenvolvimento da criança, precisamente, o período que vai de dois a sete/oito anos, quando se inicia o curso primário. Assim, a “matemática” do pré-primário (para não falar da matemática do sensório-motor) é de fato uma pré-matemática ou uma lógica embrionária, donde a dificuldade de os matemáticos (que acreditam nas “intuições” inclusive na do número: “Deus fez os números inteiros: o resto todo é obra dos homens”, Kronecker) de sugerirem atividades “matemáticas” para este longo e laborioso período do desenvolvimento da criança. Mas, não é só. De sete/oito anos a onze/doze anos, a criança constrói, lentamente, uma série de estruturas (classificação, seriação, substituição, simetria, tábua de dupla entrada, árvore genealógica) que serão indispensáveis para a aquisição das mais elementares noções da matemática (tudo isto que os matemáticos supõem que as crianças possuem, intuitivamente, ou de forma apriorística) ...
(Continuará)


quarta-feira, 15 de abril de 2015

O jogo como forma de aprendizagem (parte 2 - final)

Lauro de Oliveira Lima. Livro: Temas piagetianos.
Ed. Ao Livro Técnico
O jogo como forma de aprendizagem
Jogo vs. “ordem unida” – Homo Ludens vs. Homo Faber – O jogo como plenitude da capacidade operativa – Inteligência: quebra da rotina de funcionamento – A felicidade é inteligente – Algoritmos (fórmulas) e estratégias (jogo) – Aprender é jogar.
(Parte 2)
Como se vê, o propósito da educação não é o desenvolvimento da inteligência (jogo), mas a criação do automatismo (exercício). Todo processo educativo realiza-se como se o ser humano não fosse um animal inteligente. Ora, o que está em jogo é, precisamente, a inteligência (criatividade), pois as rotinas sociais, por si, são suficientes para criar hábitos, costumes, automatismos, (mesmo antes de existirem escolas, as crianças aprendiam os costumes e técnicas de sua tribo). Já que a vida social não é lugar próprio para o exercício da inteligência, pelo menos a escola deveria ser essa ilha sagrada onde a criatividade, a invenção e a descoberta tivessem oportunidade de manifestar-se. Mas, ao que parece, há um complô da sociedade inteira para evitar que a inteligência quebre as rotinas estabelecidas.
         “Pode-se dizer que o único professor que realmente educa é o instrutor de educação física, na medida em que ensina a jogar...”
         Um dia compreender-se-á que o processo educativo (a didática, a pedagogia) consiste, apenas, em transformar as situações em jogo (jogo motor, jogo verbal, jogo mental). Uma situação enfrentada através do jogo equivale, estritamente, à utilização da inteligência em sua forma mais pura. Usar a inteligência é, portanto, variar ao infinito as estratégias com que a situação é abordada. Nesse sentido, tanto o filósofo quanto o matemático são jogadores. O físico teórico e o técnico do laboratório exercem atividades epicamente lúdicas. A discussão didática promovida pelo sociólogo também equivale a um jogo mental (onde se buscam as soluções possíveis dos problemas previstos). O jogo é a única atividade tipicamente humana. Promover o jogo é hominizar o homem.

Agosto, 1979

segunda-feira, 30 de março de 2015

O jogo como forma de aprendizagem (Parte 1)

Lauro de Oliveira Lima. Livro: Temas piagetianos.
Ed. Ao Livro Técnico
O jogo como forma de aprendizagem
Jogo vs. “ordem unida” – Homo Ludens vs. Homo Faber – O jogo como plenitude da capacidade operativa – Inteligência: quebra da rotina de funcionamento – A felicidade é inteligente – Algoritmos (fórmulas) e estratégias (jogo) – Aprender é jogar.
(Parte 1)
         Segundo a Bíblia, o paraíso terrestre caracteriza-se pela ausência de trabalho. Deus não encontrou forma mais drástica para punir Adão de sua “curiosidade” que sentenciado “d’ora em diante, ganharas o pão com o suor de teu rosto...”. Realmente, nada mais tedioso que a rotina enervante do trabalho. O homem que trabalha sonha com o fim de semana, com os feriados, com as férias de fim de ano, com a aposentadoria... Todos nós invejamos a festa permanente da vida dos “primitivos” (nossos indígenas [os brasileiros] banham-se três a quatro vezes por dia nos rios). Por que será que jogamos com tanto entusiasmo (por vezes, jogos violentos e cansativos) e nos enervamos tanto com o trabalho? É que o trabalho, com suas rotinas e sua estereotipia, limita a polivalência da capacidade de ação do ser humano, ao passo que o jogo caracteriza-se pelo estímulo ao uso-limite dessa capacidade. E qual o papel do adversário? Precisamente, levar ao jogador a construir estratégias tão novas e surpreendentes que não possam ser previstas pelo contendor (quando o trabalho contém esses mecanismos, transforma-se em jogo e adquire os tônus do prazer).
         “Toda atividade lúdica é, necessariamente, inteligente. O jogo é fonte de alegria, logo...”.
         O jogo, a vitória ou êxito depende da exploração de todas as possibilidades estratégicas inerentes ao tipo de atividade em curso. O trabalho, pelo contrário, é tanto mais eficiente, quanto mais o indivíduo reproduz o modelo julgado adequado para obter o fim desejado (mercadoria). Normalmente, o trabalho transforma-se em hábito, em repetição, em “reação circular”, precisamente o que jamais deve ocorrer com o jogo. Sendo inteligente, isto é, sendo inventivo, criador transformador, o homem não pode gostar de rotinas (gostar de rotinas, aliás, é indício seguro de debilidade mental). O jogo é a própria manifestação da inteligência em sua atividade criativa.
         A rotina, repetição, o hábito são modelos de funcionamento que provocam a identidade do organismo e a paralisia da vida mental. A inteligência só se manifesta diante do novo (problema). As situações repetidas apenas apelam para a memória e para os automatismos. Na maioria dos homens, a inteligência só se manifesta nas raras ocasiones em que estão jogando, vez que, na vida diária os indivíduos limitam-se ao uso dos mecanismos reprodutores das rotinas aprendidas. Inconscientemente, o homem busca todos os meios para transferir suas rotinas às máquinas (automatização). O cálculo (tabuada, por exemplo) é um automatismo que nada tem a ver com a inteligência (apesar das observações em contrário dos matemáticos ingênuos). Que fez o homem? Criou a máquina de calcular para não ocupar seu cérebro com atividade indigna de sua infinita complexidade. Tradicionalmente, a escola (partindo do modelo cultural do trabalho), em vez de promover o jogo, dedica-se a exercitar, isto é, a transmitir rotinas, hábitos e automatismos. O exercício, como o trabalho, em vez de desafiar as possibilidades operativas das estratégias mentais possíveis, leva à repetição ad nauseam de um modelo, até a atividade pedagógica tornar-se insuportável para a criança (uma criança não trabalha porque a rotina é incompatível com o processo criativo que nela se opera).
         “Quando se chama escola de ‘ginásio’, inconscientemente afirmamos que aprender é jogar”. ...

Agosto, 1979

terça-feira, 10 de março de 2015

CENTRAÇÃO

Livro: Piaget. Sugestões aos educadores
Vocabulário Piagetiano
Lauro de Oliveira Lima
Editora Vozes
Introdução aos conceitos fundamentais das teorias de Jean Piaget.
Conceito: Centração

         É o fenômeno psicológico de fixar a atenção (percepção ou representação) num só ponto de totalidade. À medida que promove movimentos de pesquisa na totalidade (descentração), o pensamento vai criando reversibilidade e operacionalidade. La centración é a explicação para a falta de mobilidade operatória da intuição. Não se deve esquecer de que o pensamento é movimento. A centração pode ser afetiva ou intelectual, produzindo o egoísmo (afetivo) e o egocentrismo (intelectual). Os indivíduos centrados (intuitivos, egocêntricos e egoístas) não podem pertencer a grupos por falta de capacidade de cooperação e entendimento do ponto de vista do outro, concentrando as cargas afetivas num só elemento do grupo (subgrupo). A centração pode aparecer como uma “ideia fixa” num conceito, num indivíduo ou num objeto. É a antioperação. A centração perceptiva ou de representação é num ponto, desprezo dos demais pontos de vista (v. Teste das montanhas). A centração (característica da percepção) revela a ausência de flexibilidade do comportamento. Daí Piaget falar em “atividade perceptiva” por oposição à “percepção primária” (comum a todos os mamíferos). A “atividade perceptiva” descongela a “dureza gestáltica” (lei da boa forma da percepção). Quando Piaget fala em “revolução copernicana do eu” (por analogia ao heliocentrismo – Galileu- Copérnico – Kepler), significa que o eu deixou de ser um referencial privilegiado (centração) para ser um “objeto” como outro qualquer entre os demais.

AÇÃO

Livro: Piaget. Sugestões aos educadores
Vocabulário Piagetiano
Lauro de Oliveira Lima
Editora Vozes
Introdução aos conceitos fundamentais das teorias de Jean Piaget.
Conceito: Ação (atividade)

         “No começo está a ação...” A vida psicológica é simplesmente a atividade (comportamento) do organismo interiorizada, a) primeiro em representação (intuição), b) depois em operação (pensamento hipotético-dedutivo, lógico-matemático ou formal).

         Toda ação, evidentemente, é acompanhada da atividade neuroquímica e elétrica dos neurônios. Se imaginássemos essa atividade cerebral sem a respectiva atividade motora (sem gestos), teríamos uma ideia aproximada do que seja o pensamento (o pensamento é sempre acompanhado por uma atividade motora residual, sobretudo dos olhos). A ação pode aparecer também como verbalização (lógica das proposições) e tem a) uma estratégia (forma, modelo) e b) um tônus (modalidade, intensidade). Fala-se portanto em: a) ação sensório-motora; b) ação verbal; c) ação mental (simbólica ou operatória). Como a ação tende a organizar-se segundo modelos matemáticos, pode-se identificar, por exemplo: a) a lógica das ações, b) a lógica das proposições y c) a lógica matemática.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Colégio: esteira de produção (Parte 2)

Lauro de Oliveira Lima. Livro: Temas piagetianos.
Ed. Ao Livro Técnico
Colégio: esteira de produção
(Parte 2)
Escola ou máquina xerox? – Einstein foi um péssimo aluno – Criatividade ou padronização? – Nem palmatória, nem Pedagogia – O orientador virou psiquiatra –Qual o lugar do pensamento divergente?
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“Nada mais parecido com um colégio que uma fábrica de automóveis: a esteira de produção vai correndo, correndo e vomitando unidades”.

         Não me refiro aos professores paranoicos que chegam a criar ódio pessoal pelo aluno que não consegue domar e, no primeiro conselho de classe, proclamam “ou ele ou eu”. São casos psiquiátricos. Perigosos são os que massacram com a patrola do regulamento e reprovam 73% dos alunos, indo para as férias com o coração leve do dever cumprido! Jamais imaginam que fracassaram como profissionais, uma vez que seu objetivo não foi o de educar a criança, mas sim o de verificar se ela foi enquadrada no modelo adotado.
         Nada mais parecido com um colégio que uma fábrica de automóveis: a esteira de produção vai correndo, correndo e vomitando unidades. Lá fora, no pátio, a equipe de “controle de qualidade” (a banca examinadora) apontará aqueles que não se enquadram no gabarito mínimo. O colégio não assume qualquer compromisso de ensinar: despeja uma cascata de “salivação” e quem for podre que se quebre (é como encher 50 garrafas, aspergindo-as com uma mangueira). A tarefa de cuidar da aprendizagem fica com a família, com o professor repetidor, com a ameaça de reprovação. O diretor, um dia, chama o pai e comunica: “Seu filho vai mal”. Aí sugere que eles tomem providências... E as providências da escola? O sistema escolar baseia-se no fato de que as crianças (o ser humano) gosta de aprender. Se os alunos, de repente, não conseguem assimilar nada, o que é que falhou?
         Os diretores das escolas, geralmente, não são especializados em Pedagogia (os “particulares” especializam-se em contabilidade e os “públicos” em regulamentação). Não lhes ocorre que as escolas têm por obrigação obter bons resultados. Para os diretores, basta funcionar bem a linha de produção. Os refugos vão para a lata de lixo, Daí os diretores serem os maiores inimigos dos professores inovadores; estes atrapalham a rotina já estabelecida!
         Assisti há poucos dias, a uma reunião de “pais e mestres” cujo objetivo era comunicar que mais da metade da turma tinha sido reprovada. Cada professor (apoiado, entusiasticamente, pelo diretor) apresentava provas irrefutáveis de que os garotos eram marginais irrecuperáveis. Não entendi o que queriam dos pais... Nenhum referiu-se aos recursos psicopedagógicos que tinham usado para interessar os alunos. Ficou pacífico que sua função era recitar lições e a dos alunos decorá-las. Era como se dissessem: alinha de produção é perfeita a matéria-prima que nos fornecem é péssima. A escola antiga conseguiria ensinar com a palmatória e a vara de marmelo. Depois veio a ideia de substituir os instrumentos de tortura por pedagogia. Mas os mestres, tão eficientes com o chicote, não aprendem a “vender a sua mercadoria”. Está na hora de nomear professores, os especialistas em marketing (eles conseguem vender pente a careca).

Abril, 1979 

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Colégio: esteira de produção (Parte 1)

Lauro de Oliveira Lima. Livro: Temas piagetianos.
Ed. Ao Livro Técnico
Colégio: esteira de produção
(Parte 1)
Escola ou máquina xerox? – Einstein foi um péssimo aluno – Criatividade ou padronização? – Nem palmatória, nem Pedagogia – O orientador virou psiquiatra –Qual o lugar do pensamento divergente?
         Einstein só começou a falar aos três anos de idade e sempre foi considerado como um “péssimo aluno” ... É provável que os alunos reprovados nos nossos colégios, salvo casos de evidente debilidade mental, sejam crianças de elevado nível intelectual. Para adaptar-se à estupida rotina da escola atual e aparecer como “bom aluno” é preciso que o jovem seja extremadamente medíocre; da mesma forma que um indivíduo bem dotado jamais se adapta a mediocridade da rotina burocrática (um bom burocrata é, por hipótese, um débil mental). Um “bom aluno”, como um bom burocrata tem que conformar-se a um processo em que não há lugar para um pensamento divergente, para a criatividade e para soluções imprevistas. O professor (como o chefe da repartição), está ali, de gabarito ou regulamento na mão, precisamente para evitar “erros”, isto é soluções novas...
         Quando meus filhos eram pequenos, adotei como política pedagógica cortar a mesada dos que tirassem notas muito altas na escola: é altamente suspeito para o desenvolvimento mental, o êxito numa escola onde o objetivo é “enquadrar” com referência a determinadas doutrinas, soluções ou formas de agir. A maioria dos professores está muito menos preocupada em produzir um novo Einstein, que em padronizar as crianças pelo parâmetro “ideal” (as escolas assemelham-se a uma máquina xerox, a cópia diferente é eliminada). Daí o prazer (mórbido) com que os professores se utilizam dos exames e das provas.

         Colocou-se dentro das escolas um orientador educacional para proteger as crianças que não se enquadram nas bitolas do regulamento escolar (tentando preservar a originalidade das crianças frente ao rolo compressor das provas-padrão). O resultado foi a criação de um novo inquisidor, farejador de complexos de Édipo, traumas infantis e outras baboseiras pseudo-freudianas. E o problema é, apenas, que o professor é incapaz de entusiasmar a criança pela matéria que leciona, isto é, pelo texto que recita como péssimo locutor. Enquanto o camelô, na avenida, é capaz de parar 100 executivos apressados, um professor não consegue captar o interesse das crianças ao descrever a história do homem neste planeta cheio de aventuras... Toda criança adora colecionar conchas, besouros, flores e, no entanto, o mestre de Biologia não consegue despertar seu interesse pelas formas vitais...
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