quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

FURACÃO NAS VELHAS ESTRUTURAS DO ESTABELECIMENTO ACADÊMICO: J´ACCUSE!



  1. Há trinta anos (1) , procuro divulgar, no Brasil, através de cursos, livros (14)(2) conferências e, há oito anos, da escolinha “A Chave do Tamanho”, as revolucionárias contribuições de Jean Piaget na área das Ciências Humanas. Como se sabe, apesar de uma obra vastíssima (o primeiro livro foi editado em 1921) , Jean Piaget não é, ainda, no Brasil, um autor acadêmico; milhares de “psicólogos” e “educadores” saem da nossa universidade sem ter nunca ter ouvido referência séria à obra de Jean Piaget. Nossas escolas superiores, por influência norte americana, limitaram-se a ensinar o “condutismo” (behaviorismo) e a psicanálise, ignorando sobranceiramente, o vasto movimento internacional provocado pela chamada Escola de Genebra (Centro de Epistemologia Genética), movimento que subverte, profundamente, todas as concepções vigentes sobre o comportamento dos seres vivos, em geral, e do ser humano, em particular.
  2. Para Jean Piaget, o comportamento dos seres vivos nem é inato (Chomsky, Lorenz, gestaltismo, etc). O comportamento para ele é construído numa interação (cibernética) entre o organismo e o meio; quanto mais complexa é esta interação, mais “inteligente” é o animal (homem).
  3. Ora, esta posição teórica revoluciona, profundamente, todas as ciências do homem (sem falar na revolução provocada pelas ciências experimentais, como a física, a química, a geologia, etc. Existe pois, hoje, uma biologia, uma psicologia, uma antropologia, uma sociologia, uma etologia, uma economia, uma política … “piagetiana” (se estas novas concepções estão certas ou erradas é o que se procura verificar no debate e na experimentação, processos que a ciência usa para progredir.
  4. Jean Piaget, por exemplo, nega frontalmente que a evolução seja resultado de mutações casuais e seleção natural (neodarwinismo); nega, peremptoriamente, que os comportamentos superiores dos animais e dos seres humanos resultem de meros reflexos condicionados (behaviorismo norte americano); nega que exista um depósito de lembranças inconscientes diferente dos processos mentais conscientes e que as lembranças sejam estáticas (psicanálise); nega que os “primitivos” (povos atrasados sobreviventes) tenham pensamento lógico típico do homem civilizado (estruturalismo de Lévi-Strauss); nega  que os processos superiores do pensamento humano tenham características gestálticas (gestaltismo); afirma, contra toda a sociologia contemporânea, que os fatos sociológicos (regras, valores e símbolos) variam, de grupo para grupo, segundo o nível mental médio das pessoas que o constituem …
  5. J. Piaget pretende que provou, experimental e especulativamente, suas posições (sua obra tem mais páginas que a Enciclopédia Britânica) e, até hoje, nem em livro, nem em congresso, nem em laboratório … as teses de J. Piaget foram refutadas, limitando-se seus opositores a rumores, alusões equívocas, omissões, aparentemente casuais … sobretudo as omissões que chegam à deslealdade intelectual (omissão completa da informação: há tratados de psicologia que não fazem alusão à obra de J. Piaget).
  6. Einstein, para quem Piaget fez uma pesquisa sobre velocidade, simultaneidade, tempo e espaço, disse certa vez a J. Piaget: “Como a psicologia é mais difícil que a física!”. Realmente, J. Piaget é um autor extremamente complexo, de modo que não se presta para baixa divulgação (como ocorre com certas teorias populares do comportamento). É que, com J. Piaget,  as ciências humanas alcançaram um grau de desenvolvimento que as torna incompatíveis com as seções de consulta sentimental dos jornais e revistas.
  7. Todas as ciências humanas, até agora, por preconceitio neopositivista, limitam-se a aplicar, na pesquisa, o método estatístico ( que Jean Piaget utiliza, segundo um professor de psicologia da Sorbonne, para satisfazer os “mais obtusos de seus leitores”). Piaget criou o método clínico, que penetra em profundidade nos meandros do comportamento, e aplicou à pesquisa da conduta humana os modelos matemáticos (J. Piaget descobriu que o pensamento humano aproxima-se, extremamente, dos processos matemáticos). Os neopositivistas recusam validade científica a outros métodos que não sejam estatísticos, ignorando, por resistência emocional, a teoria dos sistemas, os modelos cibernéticos, as explicações estruturalistas (Jean Piage quase inventa, antes de seus inventores, a cibernética).
  8. Como os mestres de nossa universidade foram formados ou nos EUA, ou por outros doutores formados nos EUA, enquanto a universidade norte americana não aceitar Jean Piaget, nós também não aceitaremos … o que ocorreu também com Freud, que foi um autor europeu até que os EUA o oficializassem! Felizmente, cada vez mais são produzidas obras nos EUA sobre Jean Piaget, de modo que os próximos Ph.D. que de lá vierem para nossas universidades poderão trazer-nos, na bagagem um autor que é popular na Europa, há mais de trinta anos (Jean Piaget recebeu o prêmio Roterdam, que é o prêmio Nobel das Ciências Humanas).
  9. Nosso trabalho tem sido, simplesmente, expor as teorias piagetianas, no desejo de que sofram o impacto das refutações e comprovações: mas nossa intelectualidade, não se arrisca ao debate. Possivelmente, numa vasta obra como a de Jean Piaget e seus colaboradores da Escola de Genebra, deve haver muitos “furos”, falhas que só podem vir à luz no debate e na pesquisa de laboratório. Mas para debater é preciso, primeiro, conhecer a teoria que desejamos refutar (e, fazê-la conhecida, é precisamente o que não tem sido possível)
  10. Ora, as posições teóricas tem profunda influência nos rumos das pesquisas e dos comportamentos profissionais: uma “educação piagetiana!, por exemplo, nada tem a ver com uma “educação skinneriana”, como uma psicanálise freudiana nada tem com uma terapia adleriana, etc, etc, etc.
  11. Os estudantes brasileiros de ciências humanas estão sendo, desonestamente, ludibriados por muitos professores que sonegam informações sobre a crítica contundente e irrefutável que Jean Piaget faz às doutrinas que são divulgadas nas nossas  universidades. Recentemente, houve um encontro memorável (em termos acadêmicos) entre dois gigantes: Chomsky e Piaget, o primeiro defendendo o inatismo das estruturas linguísticas e o segundo, sua tese antiga, segundo a qual a linguagem é, apenas, dublagem (função semiótica) da ação e, como tal, ligada aos processos operativos da atividade (daí aparecer na criança tão tardiamente: não aparece antes de a criança organizar as primeiras estruturas de sua motricidade). É honesto, cientificamente, que os estudantes desconheçam estas duas posições antagônicas (apriorismo e construtivismo)?!...
  12. Jean Piaget forneceu elementos inteiramente novos à linguística, através das pesquisas das ligações do pensamento com a linguagem (psicolinguística), confimando, parcialmente, a “gramática generativa” de Chomsky, mas refutando seu inatismo. Mostrou que o pensamento não está, fundamentalmente, ligado à linguagem (surdos-mudos), invalidando, em pedagogia, a mera  transmissão dos processos verbais (a inteligência está ligada á ação).
  13. Piaget mostrou que o organismo (a mente) só recbe uma mensagem se estiver “sensibilizado” (preparado) para recebe-la, de modo que é inteiramente suspeita a “teoria das comunicações”, em voga (os midia não têm a influencia que se pretende).
  14. Jean Piaget mostrou que os fatos sociológicos não são fatos puros: dependem do nível do desenvolvimento dos indivíduos que os produzem (regras, valores e símbolos): as sociedades portanto, tem níveis diferentes de desenvolvimento (uma sociedade baseada em leis morais está mais atrasada que outra baseada em leis jurídicas, por exemplo). Não se pode transpor, de uma sociedade para outra, as interpretações sociológicas (as sociedades se diferenciam também, por seu grau de operatividade, pela forma como são produzidas as regras, os valores e os símbolos).
Portanto:
a) Jean Piaget refuta muitas teorias sobre o comportamento dos seres vivos e dos homens em particular, o que equivale a pôr em questão as ciências do homem. Se ele tem razão ou não, só a discussão e a pesquisa dirão. O mundo acadêmico não quer tomar conhecimento deste desafio. Mas, cedo ou tarde, terá que fazê-lo: ou refuta Piaget ou aceita suas interpretações.
b) O método científico exige que cada estudioso tente refutar as teorias em curso (é a permanente tentativa de refutação que faz a ciência progredir). Jean Piaget tem, por hábito (e nisto é extremamente minucioso), antes de propor nova interpretação, examinar todas as teorias vigentes a respeito do tema que está tratando (só depois de pretender ter refutado as interpretações vigentes, avança em sua própria interpretação).
c) Não existe este costume acadêmico em nosso ensino. Ninguém refuta ninguém, ninguém examina, criticamente, as doutrinas ou teorias. Fazê-lo é de mau gosto e denuncia uma séria paranóia … É que somos uma cultura transplantada e o colonizado não ousa pôr em questão a cutura recebida....
d) Em psicologia, por exemplo, o behaviorismo foi refutado mil vezes, mas continua a ser ensinado como ciência incontestável em nossas faculdades (ver O CAVALO MORTO, de A. Kostler). As teorias de Lévi-Strauss sobre nossos indígenas são facilmente refutáveis (ver ESTRUTURALISMO de Jean Piaget), mas ninguém toca no problema, continuando a ser ensinado aos futuros antropólogos como se fosse verdade incontestável...
e) Em nossas faculdades não se ensina ciência (a ciência é extremamente polêmica e está em permanente reformulação): ensinam-se crenças. A adesão aos autores e ás teorias não resulta de confrontos críticos, mas de decisões emocionais. A meu ver, mesmo que Jean Piaget não tenha suas teorias confirmadas (parcial ou integralmente), isso não tem a mínima importância), pelo menos forçou o estabelecimento científico (científico e não meramente acadêmico) a reexaminar velhas doutrinas, traquilamente passadas  de geração em geração. Nesse momento mesmo, por causa de Jean Piaget, os biólogos estão sendo forçados a reexaminar o neodarwinismo (retomando as velhas teorias de Lamarck). Em física, as coisas se passam de maneira inteiramente diferente. Agora mesmo Cesas Lattes anuncia a refutação de Einstein.

Fonte:
PIAGET PARA PRINCIPIANTES
Summus Editorial - 1980
Pag. 13 - 16
Lauro de Oliveira Lima

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1 O livro foi escrito em 1980, lançado durante o 1o. Congresso Nacional de Educação Piagetiana, que aconteceu no Rio de Janeiro, organizado pela equipe do Professor Lauro de Oliveira Lima, a partir do Centro Educacional e Experimental Jean Piaget.
2 Na verdade, o Professor Lauro de Oliveira Lima escreveu mais de 30 livros ao longo de sua carreira. Essa contagem aponta os livros escritos até 1980.

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