sábado, 2 de julho de 2011

A fúria escolar da alfabetização


Não há neuróticos suficientes – A indústria dos métodos de leitura –Os bizarros nomes das letras – Pânico nas classes de alfabetização – Quem lê jornal no Brasil?
    Toda organização e planejamento do pré-escolar e do curso elementar (primário ou primeiro graus) giram em torno da alfabetização. Entretanto, a alfabetização (leitura e escrita) é um instrumento civilizatório artificial, empírico, arcaico e de alta complexidade matemática (baseia-se em permutas e combinações de letras e sílabas, mecanismo mental que só amadurece nas crianças em idade avançadas, quase no limitar das operações abstratas). Jamais se indagou que processos mentais estão em curso na psicogenética das crianças de seis/sete a dez/onze anos, período em que a escola tenta a ferro e fogo, com os mais bizarros métodos, alfabetizar as crianças.
    O investimento em alfabetização de crianças é ocioso, perdulário e demagógico.
    A compreensão do código da escrita/leitura exige altos níveis de desenvolvimento mental (um adulto, normalmente desenvolvido, pode aprender este código em algumas horas). Se logo após alfabetizada, a criança dispusesse de bibliotecas, livros, jornais, revistas, etc., a alfabetização abriria para ela um maravilhoso mundo de informações. Mas, não dispondo destes recursos, a criança não cria o hábito da leitura, conseguindo chegar à pós-graduação sem ler um livro seque, sem acompanhar os acontecimentos pela imprensa, sem penetrar no mundo da literatura (a revista popular de maior tiragem no Brasil não chegava a vender 500 mil exemplares, numa população de 120 milhões de indivíduos). Hoje, mais privilegiadas do que há 50 anos, as crianças dispõem de meios de informação abundantes, que dispensam, totalmente, a leitura. É o caso dos discos, fitas magnéticas, cinema, televisão, entre outros...
Em que idade, afinal, deve ser ensinada às crianças o pouco inteligente know-how da alfabetização? Há dois aspectos a considerar. 1) em que idade a leitura torna-se um instrumento indispensável para a progressão intelectual? ; 2) em que idade as crianças são capazes de manejar os mecanismos matemáticos das permutas e combinações? Importante, também, é saber se a escola consegue criar hábitos de leitura, sem o que todo o esforço massacrante da alfabetização é inútil. Basta observar a regressão que se verifica quando o know-how não é utilizado: as crianças que passam um ou dois anos nas escolas e não conseguem dar continuidade ao aprendizado são candidatas à desalfabetização. Como se vê, reina imensa balbúrdia em torno da alfabetização das crianças, talvez porque tudo é feito empiricamente, através de técnicas consideradas mágicas (não há base cientifica nos métodos empregados... e são centenas!).
Onde encontrar bibliotecas para os 20 milhões de crianças, que o Governo diz estarem matriculadas no primário?
Tudo começa com o ensino do alfabeto (a convenção mais absurda, aleatória e pleonástica que a humanidade já criou). Ensinam às crianças que o sinal F chama-se efe H chama-se ‘’agá’’ e assim por diante. Quando a criança se defronta com a palavra FOLHA, tende a lê-la com os nomes das letras que lhe ensinaram, e temos: Efe/O/Ele/Agá/A...É possível adivinhar como se lê FOLHA? Em geral, as crianças que aprendem os nomes das letras apresentam imensa dificuldade para aprender a ler, coisa que os alfabetizadores parecem não notar. É raro o alfabetizador que atenta para o fato de que o código da escrita é uma permutação/combinação de letras e de sílabas. Uma vez percebido (compreendido) o código, resta decorar as convenções gráficas. Hoje se sabe que existe um método de alfabetização ara cada nível mental (as crianças pre-operatórias aprendem a ler através de gestalten, por exemplo; os adultos de Paulo Freire aprendiam a ler em 40 horas)...
Há crianças que levam três a quatro anos para alfabetizarem-se. Paulo Freire garante que alfabetiza em 40 horas.
É lamentável o massacre das crianças na fúria de fazê-las aprender os seis sons do ‘’X’’. Lamentável, também, a profunda frustração das professorinhas que não conseguem ensinar crianças a ler. O resultado é desperdiçarem-se anos seguidos com esforço falaz de alfabetização, em detrimento da estimulação dos processos mentais operatórios. Provavelmente, a ‘’fúria escolar da alfabetização’’ deriva do fato de os professores só imaginarem a atividade escolar através do binômio leitura/escrita. Realmente, o que faria um professor comum, tradicional, se não contasse com a capacidade de leitura/escrita dos seus alunos. Um bom teste, de capacidade pedagógica seria verificar se o professor é capaz de ‘’dar aula’’ (sic) sem usar estes recursos. Ora, o desenvolvimento da inteligência nada (nada, mesmo) tem a ver com a leitura e a escrita. Está na hora de parar e reexaminar esta história de alfabetização. Está na hora de ensinar às professorinhas um mínimo de psicogenética. Por que não colocar nas escolas um especialista em desenvolvimento intelectual das crianças (um psicogeneticista). Está aí um imenso mercado de trabalho para os psicólogos que não encontram neuróticos suficientes.

Lauro de Oliveira Lima 
Temas Piagetianos - Editora Ao Livro Técnico
Junho, 1981

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