quarta-feira, 20 de julho de 2011

E a criança o que é?


Os educadores deviam aprender com os veterinários – O código de menores é uma aberração – Relojoeiros não conserta computador – Os três nascimentos do filhote humano – Os índios são crianças grandes...

Poucas pessoas atentam para o fato de o ser humano (diferentemente de todos os outros animais) ter três planos de crescimento: biológico (crescimento físico de caráter anátomo-fisiológico e neurológico); psicológico (desenvolvimento mental que tende para uma logicização progressiva até alcançar o pensamento hipotético-dedutivo ou lógico-matemático); sociológico (lenta e progressiva integração no corpo sócio-cultural adulto com a assimilação das regras, valores e símbolos fabricados pelas gerações anteriores). Esta ‘’integração progressiva’’ , por sua vez, pode ser pacífica (iniciação) ou traumática (conflito de gerações), fato que determina a frenagem ou o processo do grupo social.  As crianças, até certa idade, estão imunes aos processos sócio-culturais: fabricam sua própria sociologia.

A psicossociologia descobriu que o crescimento da criança não é linear, como se supunha. A partir da fecundação, o filhote humano alcança patamares sucessivos, com características tão diferenciadas, que quase se pode afirmar a existência de ‘’animais’’ diferentes em cada um desses estádios. Como pode, por exemplo, uma criança tipicamente esquizofrênica (entre 3 e 6 anos) transformar-se num autêntico ‘’engenheiro’’ , preocupado com construções e engrenagens, logo no período seguinte (entre 6 e 10 anos)? Como pode a graciosa incoerência de uma criança pré-operatória transformar-se em rígida e implacável ‘’necessidade lógica’’? Como pode o submisso ‘’servo’’ , que luta pelo privilégio de ir buscar os chinelos do pai, transformar-se no ‘’contestador’’ , que zomba, à socapa, das idéias anacrônicas do ‘’velho’’ ?
 Não se diga que ‘’a sociedade ensina essas coisas às crianças’’, pois todos os membros da sociedade já foram crianças com essas características. Não houve uma pré- sociedade para ‘’doutrinar’’ as primeiras crianças. A sociedade foi construída pelas crianças que se foram desenvolvendo. Sabemos de sociedade que, por circunstâncias pouco explicadas, param seu desenvolvimento numa das etapas que encontramos hoje na criança do meio ‘’civilizado’’ (nossos indígenas não alcançam, quando adultos, as chamadas operações concretas: classificar, seriar, numerar, medir, partir, deslocar, intuições geométricas, etc...) Ainda não foram encontradas todas as etapas do desenvolvimento ( é só uma questão de tempo), mas os psicólogos e os sociólogos (microssociologia) já as determinaram, nitidamente, tanto do ponto de vista cognitivo (Piaget: capacidade operativa do pensamento para enfrentar a realidade), quando do ponto de vista afetivo (Freud regulação do fluxo energético das ações e determinação da escala dos valores). Quando a criança alcança um dos patamares (estádios) do seu desenvolvimento, aí permanece durante um tempo variável, apresentando, durante o período, tipologia inconfundível. Deste modo não tem sentido frases como ‘’a educação das crianças’’.
      A graciosa e romântica ‘’inocência’’ da criança é, apenas, a característica de um dos seus níveis mentais.
A assistência que os técnicos dão às máquinas varia com seu grau de complexidade:  o mecânico que conserta uma bicicleta não está, ipso facto, habilitado a consertar um relógio ou computador...Só que, com relação às crianças, a complexidade é decrescente: quanto menor a criança, mais habilidoso deve ser o ‘’mecânico’’ (educador). Piaget diz mesmo que, no futuro, os especialistas mais competentes serão reservador para cuidar das crianças menores (o que leva a crer que não tem muita importância a ‘’habilidade’’ dos professores universitários: os alunos da universidade já são capazes de funcionar sem ‘’mecânico’’...). Todos que lidam com crianças (pais, pediatras, psicoterapeutas, juízes de menores etc...) têm, hoje, o dever de capacitar-se para diagnosticar, com precisão absoluta, o estádio em que está a criança com que lida. O código de menores e o código de censura, por exemplo, são amontoados de asneiras que afrontam os mais elementares resultados da pesquisa psicossociológica (conceitos como o de ‘’excepcionalidade’’ e o de ‘’menor’’ são verdadeiras aberrações).

 Alcançar todos os patamares não é uma fatalidade: é logo e penoso esforço que nem todos fazem...
Nas escolas, os professores ‘’inventam’’ métodos de alfabetização que violam, às vezes, as características do patamar de desenvolvimento em que se encontra a criança. A maioria dos psicoterapeutas jamais indaga sobre o mecanismo cognitivo das crianças que lhes são  entregues para ‘’curar a afetividade’’ (sic). Os educadores, juízes de menores, terapeutas, etc., deviam fazer estágio numa clinica veterinária para aprender que as crianças são animais, de acordo com seus níveis de desenvolvimento. Um veterinário não se trata da mesma forma uma galinha e um elefante...

Hoje se sabe que não tem sentido a ‘’integração vertical’’ dos cursos (etapas escolares): no futuro, os graus escolares serão separados, radical e sofisticadamente: voltaresmos a ter o ‘’curso primário’’ rigorosamente diferente do ‘’curso ginasial’’. A experiência humana é válida: existe mesmo a ‘’idade do uso da razão’’ de que falam os padres...

Lauro de Oliveira Lima
(Temas Piagetianos - Editora Ao Livro Técnico)
Outubro, 1980

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