quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A violência como resposta à frustração


PIAGET PARA PRINCIPIANTES
Lauro de Oliveira Lima
1980 - Summus Editorial
Página 30


A imitação, no ser humano, só funciona quando o modelo a ser imitado corresponde a uma boa solução para a necessidade presente do imitador, isso mesmo se o modelo a ser imitado não é dissonante da estrutura global do comportamento do provável imitador. A propaganda de cigarros não atinge o não-fumante, salvo se fumar tornar-se boa solução (não discrepante) para o problema que o não-fumante está enfrentando na ocasião. Aliás, esta forma de reação é geral: só assimilamos ou incorporamos do meio ambiente aquilo que corresponde a necessidades do organismo, isto mesmo, segunda a forma de agir do próprio organismo. Os “estímulos” que não correspondem à nossa estrutura de comportamento, não “existem”. Doutra forma, seríamos como massa plástica nas mãos das crianças: os estímulos fariam de nós o que bem quisessem … Não existiria o próprio organismo (organização prévia). É por isso que “só imitamos o que compreendemos” (Jean Piaget). O classe -média não presta atenção a propaganda de automóveis de luxo, ao passo que é, extremamente, sensível ao Fiat e ao Volkswagen: só os “estímulos” que correspondem às nossas necessidades nos atingem. Assim é o  organismo ou a mente que decide se determinado objeto ou mensagem é um “estímulo”.
Nenhum animal, inclusive o homem, é violento, salvo se, profundamente, frustrado em seus objetivos. É a frustração que gera a violência (a falta de status, por exemplo, pode ser profunda frustração para o ser humano). Depois de aprendida a violência (ou melhor, depois de descoberta ou inventada), segue seu curso multiplicador, reação em cadeia, na medida em que parece resolver problemas, podendo então tornar-se gratuita (violência pela violência). A violência implica em risco também para seu utilizador. Ora, a tendência geral é a “lei do menor esforço” para obter resultados doutra forma, a violência inicial do selvagem não seria jamais superada. Seria modelo permanente para as novas gerações. As profundas diferenças de distribuição da renda e o aumento das possibilidades de conforto devem ser estímulo brutal ao uso da violência. Na medida em que sobem, exponencialmente, os crimes de roubo, diminui em toda parte, a violência “de sangue” que predominava anteriormente.
Deste modo, os meios imagéticos (meios de comunicação em massa) só tem influência quando correspondem à solução já buscada pelo espectador. O cinema e a televisão são recebidos por todos como ficção, como escape, como faz-de-conta, podendo inclusive ter função de catarse (purgação, liquidação de um desejo). Todos sabem como a pornografia diminui a violência sexual. É possível que os brinquedos de guerra representem uma “liquidação”  da atividade “guerreira”, aliás, tipicamente infantil. O adulto não gosta de brincadeiras típicas de crianças: é possível que, se caracterizarmos as atividades “guerreiras” como infantis, os adultos venham a envergonhar-se de ser “guerreiros”... As crianças vêem no cinema e na televisão modelos de jogo, e o jogo é sempre a anti-realidade. O futebol deve representar, para a “segurança nacional” muito mais que os órgãos de repressão: todo órgão de repressão sugere confronto, ao passo que o jogo é uma forma simbólica de realização plena...
Se quisermos acabar com a violência ativa ou latente (a frustração pode aniquilar o indivíduo carente a tal ponto que não possa assumir a viiolência: este é o papel do salário-mínimo), devemos organizar a sociedade de tal forma que haja possibilidade de cada um, mediante meios pacíficos, realizar seus desejos razoáveis. Discutir se é a televisão ou é o cinema que geram a violência é mera diversão par anão se ter que enfrentar o problema verdadeiro. A diferença progressiva entre a extrema riqueza e a extrema pobreza é que é a fonte verdadeira de violência, salvo se a pobreza é tanta que inabilita  o pobre para a reação. Por que a classe-média é a mais pacífica? Precisamente porque tem a sensação confirmada, diariamente, de que está conquistando posições sucessivamente mais altas. A mudança de tipo de carro e do tipo de apartamento é o sinal concreto da eficiência do processo em que está envolvida. Por que então, ser violenta? O cinema e a televisão não funcionam como modelo, mas como referência do poço que se cava, diariamente, entre uma classe privilegiada e outra condenada a não ter oportunidade. Mas mesmo assim, temos visto, através da história, profundas diferenças sócio-econômicas que não produzem revolta e, portanto, violência. É que a dominação pode ser psicológica. A doutrinação pode gerar definitiva conformação interna (fatalismo das condições materiais). O animal humano é capaz de sobreviver conformado até num campo de concentração (ver o conformismo nas prisões: sem conformação, o processo carcerário seria inviável). O aumento da violência, pois, pode resultar da ineficiência do processo de doutrinação para a conformação (a perda de prestígio sócio-cultural da religião, pois pode ser um dissipador eficiente da violência, na medida em que as perspectivas post-mortem deixam de existir: se não há justiça depois da morte, temos que obter justiça aqui e agora). O fato é que todo homem violento alega sempre que “está fazendo justiça”, a começar pela violência oficial. Todo ato de violência responde a uma ameça, real ou fictícia, ao espaço vital (mínimo de condições de sobrevivência física ou psicológica).

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