domingo, 2 de outubro de 2011

O HOMEM DE UM LIVRO SÓ




Extraído do livro
PARA QUE SERVEM AS ESCOLAS
Lauro de Oliveira Lima
Rio de Janeiro, RJ : VOZES 1995

Samir Curi Mesarani (que descobriu como ensinar redação), diz o seguinte em um tablóide: “(...) O livro didático, de modo geral, é um livro feio, mal escrito e mal desenhado, mediocremente impresso, um verdadeiro objeto “kitsch”, brega, (...) um produto rastaquera de uma copiosa indústria, alegando-se que “é disto que os professores gostam. (...) Nele não há nada de novo, nem de coerentemente velho. (...) Adotado por um mediador, como se fosse uma receita médica. (...) Se o professor não é oligofrênico, de tanto ler certos livros, acaba ficando. (...) A escola é, sabidamente, uma defasada agência de informação …”.
Se um marciano levasse da erra um “livro didático” para avaliar o nível mental dos terráqueos, seus superiores certamente chegariam a conclusão de que o ser humano, usando esse tipo de instrumento didático, é débil mental!... Não se sabe por que as editoras vomitam anualmente (o livro didático dura um ano letivo) este montão de estupidez mal impressa e mal encadernada, o único livro que a maioria dos alunos jamais usará. Por que não entregar aos alunos lindos e modernos manuais que eles guardarão e consultarão par ao resto da vida? Em algumas escolas, no final do ano letivo, os alunos picam os livros didáticos e comemoram a passagem do ano com esse tipo de confete de segunda classe.
O livro didático é bem a mostra gráfica do baixo nível do sistema escolar. O MEC/FAE (Fundação de Assistência ao Estudante), PLI-DEF (Programa do Livro Didático do Ensino Fundamental) comprou, há algum tempo, a sucata existente nos porões das editoras, toneladas e toneladas de refugo, para distribuir às escolas, num torpe conluio com essa indústria, que se alimenta da inautenticidade do sistema. Certa vez, na década de 1950, o MEC mandou traduzir um excepcional manual didático americano de física e ciências naturais e distibuiu-o pelo sistema escolar. Ainda hoje, seus possuidores  conservam como relíquia, pois os bons livros não se tornam obsoletos. Os alunos deveriam receber uma gramática, um livro de biologia, um de física, um de aritmética, etc.,  de alto nível científico, solidamente encadernados, para durar a vida toda. Em vez disso, o MEC adquire da indústria corrupta do “livro didático” manuais fragmentados, arcaicos, cheios de erros, sem ilustrações, sem inspiração de atividades. Nem se sabe porque são denominados “didáticos”. É um complô entre as autoridades da educação e este tipo especial de livreiro. As editoras de livros didáticos não se confundem com as demais casas editoriais, incapazes de participar desse atentado contra milhões de crianças indefesas. Os livros didáticos são impostos pelas escolas. É inegável que os professores também participam dessa máfia corruptora. de outra forma, já teriam sabotado esse tipo de material, que denuncia a estupidez dos autores, dos editores e dos professores que os utilizam.
Recentemente, tem aparecido estudos e pesquisas sobre o livro didático, sobretudo a respeito dos preconceitos que eles veiculam contra negros, mulheres, pobres, pregando uma falsa aristocracia pecuniária e um fascismo subliminar*. O mais gritante é o anacronismo dos livros didáticos, incapazes de incorporar as conquistas científicas, já não digo dos últimos anos, mas pelo menos do último século (os livros didáticos são cópias, reprisadas e reimpressas ao infinito, de manuais estrangeiros arcaicos). O normal seria que , a cada ano, o “tratado” recebesse um suplemento (como fazem as enciclopédias), atualizando as informações nele contidas. O contrário é o que acontece: a editora não permite modificações no texto, para reaproveitar os fotolitos, há anos arquivados nas prateleiras. Como o “livro didático” vai passar pelas mãos de milhares de professores e alunos, as editoras poderiam sugerir prêmios para quem sugerissem modificações que aperfeiçoassem continuamente estes instrumentos de trabalho.

_______________________________________
* Vide FREITAG, B et al. O Livro Didático em Questão (S. Paulo, Cortez), com muito material para a crítica.

3 comentários:

  1. Nos últimos anos a produção de livros didáticos passou por grande transformação, isso não os tornou maravilhosos, mas parte das críticas do professor Lauro serviram de referência nessa transformação.
    O que continua preocupando muito é o fato de um número massacrante de professores seguir o livro didático como livro sagrado, fonte única de informação e guia fundamental de seu trabalho, abrindo mão do papel de formulador de seu curso, de mediador entre seu aluno e o conhecimento.

    ResponderExcluir
  2. Tal repetição também foi citada por Umberto Eco em um livro "Ur Fascismo". O Fascismo está entre nós em trajes civis. Diz.

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...