segunda-feira, 30 de março de 2015

O jogo como forma de aprendizagem (Parte 1)

Lauro de Oliveira Lima. Livro: Temas piagetianos.
Ed. Ao Livro Técnico
O jogo como forma de aprendizagem
Jogo vs. “ordem unida” – Homo Ludens vs. Homo Faber – O jogo como plenitude da capacidade operativa – Inteligência: quebra da rotina de funcionamento – A felicidade é inteligente – Algoritmos (fórmulas) e estratégias (jogo) – Aprender é jogar.
(Parte 1)
         Segundo a Bíblia, o paraíso terrestre caracteriza-se pela ausência de trabalho. Deus não encontrou forma mais drástica para punir Adão de sua “curiosidade” que sentenciado “d’ora em diante, ganharas o pão com o suor de teu rosto...”. Realmente, nada mais tedioso que a rotina enervante do trabalho. O homem que trabalha sonha com o fim de semana, com os feriados, com as férias de fim de ano, com a aposentadoria... Todos nós invejamos a festa permanente da vida dos “primitivos” (nossos indígenas [os brasileiros] banham-se três a quatro vezes por dia nos rios). Por que será que jogamos com tanto entusiasmo (por vezes, jogos violentos e cansativos) e nos enervamos tanto com o trabalho? É que o trabalho, com suas rotinas e sua estereotipia, limita a polivalência da capacidade de ação do ser humano, ao passo que o jogo caracteriza-se pelo estímulo ao uso-limite dessa capacidade. E qual o papel do adversário? Precisamente, levar ao jogador a construir estratégias tão novas e surpreendentes que não possam ser previstas pelo contendor (quando o trabalho contém esses mecanismos, transforma-se em jogo e adquire os tônus do prazer).
         “Toda atividade lúdica é, necessariamente, inteligente. O jogo é fonte de alegria, logo...”.
         O jogo, a vitória ou êxito depende da exploração de todas as possibilidades estratégicas inerentes ao tipo de atividade em curso. O trabalho, pelo contrário, é tanto mais eficiente, quanto mais o indivíduo reproduz o modelo julgado adequado para obter o fim desejado (mercadoria). Normalmente, o trabalho transforma-se em hábito, em repetição, em “reação circular”, precisamente o que jamais deve ocorrer com o jogo. Sendo inteligente, isto é, sendo inventivo, criador transformador, o homem não pode gostar de rotinas (gostar de rotinas, aliás, é indício seguro de debilidade mental). O jogo é a própria manifestação da inteligência em sua atividade criativa.
         A rotina, repetição, o hábito são modelos de funcionamento que provocam a identidade do organismo e a paralisia da vida mental. A inteligência só se manifesta diante do novo (problema). As situações repetidas apenas apelam para a memória e para os automatismos. Na maioria dos homens, a inteligência só se manifesta nas raras ocasiones em que estão jogando, vez que, na vida diária os indivíduos limitam-se ao uso dos mecanismos reprodutores das rotinas aprendidas. Inconscientemente, o homem busca todos os meios para transferir suas rotinas às máquinas (automatização). O cálculo (tabuada, por exemplo) é um automatismo que nada tem a ver com a inteligência (apesar das observações em contrário dos matemáticos ingênuos). Que fez o homem? Criou a máquina de calcular para não ocupar seu cérebro com atividade indigna de sua infinita complexidade. Tradicionalmente, a escola (partindo do modelo cultural do trabalho), em vez de promover o jogo, dedica-se a exercitar, isto é, a transmitir rotinas, hábitos e automatismos. O exercício, como o trabalho, em vez de desafiar as possibilidades operativas das estratégias mentais possíveis, leva à repetição ad nauseam de um modelo, até a atividade pedagógica tornar-se insuportável para a criança (uma criança não trabalha porque a rotina é incompatível com o processo criativo que nela se opera).
         “Quando se chama escola de ‘ginásio’, inconscientemente afirmamos que aprender é jogar”. ...

Agosto, 1979

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