segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A Origem do Poder (Parte 2) [continuação]

Continuação

Capítulo 23
ORIGEM DO PODER
“Os mecanismos da Liberdade” - Lauro de Oliveira Lima



Como não há limite para o conhecimento, não há também limite para a dominação. Assim, pode-se transferir o conceito de assimilação para o conceito de poder. O poder é a manifestação social e política da maior ou menor capacidade que o indivíduo tem de assimilar (dominar) os demais indivíduos da mesma espécie. Na assimilação o aspecto afetivo é tão importante quanto os fatores intelectuais baseados na magia, no misticismo, na ideologia (carisma e culta da personalidade), isto sem nos referirmos aos fatores econômicos. Pode-se dizer que o homem tem poder virtual sobre tudo, inclusive sobre os outros homens, porque tem poder sobre um “objeto” (ou organismo ou pessoa), é um organismo ou agente que pode assimilar este “objeto”, manipulá-lo, pô-lo a serviço de seus interesses, impedi-lo de pôr em perigo sua sobrevivência, seu status, seu prestígio, obrigá-lo a agir em seu benefício, etc. Um organismo que não tem mecanismos inatos de comportamento, que pode criar ilimitados esquemas de ação e, criando esquemas novos de ação determina novas necessidades originais a elas correspondentes … esse animal pode também, pelo menos teoricamente, dominar o universo inteiro - salvo apenas se a prática demonstrar que existe um limite em sua capacidade de inventar e descobrir. A recente aventura espacial do homem é uma demonstração dessa tese: não há limite espacial ou temporal para a capacidade real ou virtual de o homem assimilar o meio.
Cada indivíduo comporta-se como se fosse o único ser vivo dentro de um universo limitado “posto a serviço” de suas necessidades, empenhando-se ferozmente a assimilar o universo inteiro. Isso, através de estratégias de ação que visem a assimilação real ou virtual do conjunto de fenômenos ou de objetos da realidade. Ora, todo esquema de ação, ao se transformar em capacidade, é estritamente adequado a determinada necessidade. Não exercer determinada capacidade é privar o organismo de uma satisfação. Como a natureza não cria capacidades que não correspondam a necessidades, a satisfação das necessidades faz parte estrita da sobrevivência. Donde se pode concluir como os tabus sociais limitam ou deformam o equilíbrio biológico do ser humano. Ora, se a capacidade de assimilação do organismo humano é ilimitada, todas as coisas que compõem a realidade estão sob seu “poder”. Não assimilar algo assimilável , pois, é diminuir a capacidade vital. Uma das maiores tolices que a humanidade vem repetindo através dos tempos, é que se pode suprimir os “instintos”, o que equivale a dizer que se devem surprimir certas necessidades básicas. A supressão dos “instintos” implicaria na eliminação dos mecanismos naturais de sobrevivência do organismo. O que se pode fazer, em relação aos “instintos” (?) individuais é estabelecer regras (acordo) de tal modo que todos os organismos da mesma espécie possam satisfazer suas necessidades, dentro do mesmo espaço vital, com o máximo de lucros e o mínimo de perdas para cada indivíduo.
Outro exemplo de deformação do processo vital é a “filosofia” hindu de eliminação de atividade sensorial em benefício das atividades virtuais (meditação), o que pode levar a uma esquizofrenia, na medida em que os sentidos são as portas de entrada da realidade e os mediadores das relações do indivíduo com o meio. A diminuição das capacidades só pode resultar de acordo em vista do bem comum e o acordo é ainda um ato de “egoísmo”, na medida em que é a única solução para garantir a sobrevivência de organismos equipotentes dentro do mesmo espaço vital. Em termos de poder, pois, pode-se dizer que o homem pode e deve dominar tudo, porque pode assimilar tudo. Observando-se a natureza, verifica-se que cada espécie de animal instintivamente domina espécies inferiores e é dominada por espécies superiores, possuindo mecanismos inatos para conviver com os demais animais da mesma espécie. Os etologistas já descreveram quais são os mecanismos de equilibração com que  os animais da mesma espécie controlam a agressão mútua. Na disputa uns com os outros por seu próprio “espaço vital”, os indivíduos da mesma espécie não ultrapassam o limiar além do qual a sobrevivência da espécie correria perigo.
Ora, o homem não tem estes mecanismos instintivos de controle da agressão (da assimilação, da dominação e do poder), isto é, não tem  limitações naturais para sua capacidade ilimitada de assimilação, ou, se quisermos  falar na linguagem dos ecologistas, não tem limitações naturais para sua hostilidade. Deve, então, “fabricá-las” ao longo de seu desenvolvimento (ontogénese) e de sua evolução (filogênese), em forma de mandamentos, códigos, tabus, etiquetas, etc., impostos ou negociados. É por isso que o homem tem que criar normas de conviver. As primeiras foram atribuídas a Deus, quando é evidente que um grupo que precisa conviver descobriria, por si mesmo, estas regras elementares por mais baixo que fosse o seu nível mental. Estas limitações ou são impostas por certos indivíduos (legisladores, guias espirituais, condutores) ou por grupos e pelo Estado, ou então resultam de acordo livre das partes segundo a lei máxima d ganhos e mínimo de perdas. Pode ocorrer que as regras, em vez de disciplinarem as relações, visem evitar que as relações se estabeleçam, e isto sempre é feito em benefício dos dominadores. Quase todos os projetos civilizatórios consistem em amortecer as relações em vez de estabelecer-se um processo que resolva o funcionamento permanente do conflito.
Assim, teremos várias hipóteses de “convivência” dos indivíduos dentro do mesmo “espaço vital”, antes que a inteligência humana alcance o nível da negociação: (a) convivem todos os indiferentes, uns aos outros, como ocorre em grau maior ou menor numa multidão (“participação” por oposição a “interação”); (b) criam-se áreas compartimentalizadas tangenciais de conivência (“a liberdade de cada um vai até onde começa a do outro”) como ocorre no sistema arcaico de castas e como continua a ocorrer no atual sistema de classes sociais; c) uns dominam simplesmente os outros, usando-os como mero mecanismo de sua atividade (como se o outro se tivesse tornado uma prótese sua), modelo que, a partir da família, propagou-se por toda a organização social nos últimos milênios (heteronomia) e que se tornou o pólo basicamente oposto à democracia sendo evidente que esta solução implica em profundo desnivelamento entre os seres humanos, desnivelamentos que provêm da aquisição de próteses que são negadas aos dominados (armas, terra, instrução, crédito, carisma, etc.); d) entram em conflito ocasional ou permanente, conflito que seria o sinal de que o “outro” não se deixou dominar, como ocorre nas chamadas democracias liberais do ocidente - a chamada “meritocracia”, que deveria ser a institucionalização do conflito permanente, é uma farsa na medida em que alguns partem para a disputa com evidentes e marcantes desvantagens, quando a instalação do conflito permanente supõe, por exemplo, alimentação e educação equivalentes desde o período da gestação, o que leva a crer que antes da instalação da democracia deverá haver um período longo de homogeneização dos indivíduos dentro da sociedade no que tange á sua capacidade de enfrentarem-se, no conflito, uns aos outros; e) a negociação de um acordo (contrato social), segundo a lei do máximo de ganhos e do mínimo de perdas, acordo que resultaria da equilibração das capacidades homogeneizadas, de tal forma que ninguém pudesse dominar os demais, pois sem esta homogeneização a democracia é uma farsa ou uma concessão dos mais fortes.
A indiferença [a] mostra que não há interesse em assimilar o outro; [b] a compartimentalização ou convivência pacífica mostra que não há conflito quanto ao espaço vital ou que invadir o espaço vital do outro implicaria um risco de destruição;  [c] a dominação demonstra que uns são mais fortes que os outros; [d] o conflito denuncia certa equivalência de forças e interesses que não foram ainda resolvidos por um acordo (luta de classes?); [e] o acordo, finalmente, revela que a inteligência encontrou uma solução para a convivência dentro do mesmo “espaço vital”. O acordo supõe (1) equipotência, (2) interesses comuns, (3) flexibilidade para encontrar uma solução segunda a lei do máximo de lucros e mínimo de perdas. Em geral só nos referimos a “poder” no caso da dominação, o que demonstra que o poder é sempre a manifestação de um desequilíbrio na relação entre os indivíduos. Se o outro não fosse inferior, surgiria o conflito na tentativa de dominação mútua e provavelmente o problema seria resolvido, ou pela mútua destruição ou pelo contrato social.

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