terça-feira, 27 de setembro de 2011

A INGLÓRIA LUTA CONTRA O ROBÔ




Lauro de Oliveira Lima
“Para que servem as escolas?”
Vozes - 1995
Capítulo 16


No dia em que o homem descobriu as alavancas, não parou mais de construir máquinas e de adotar próteses; o jumento primitivo que o transportava pelas veredas do mato transformou-se em avião supersônico. Colocou o microscópio e o telescópio no olho … e descobriu mundos jamais suspeitados! Em todos os setores e em todas as atividades, ao longo dos séculos, o homem foi se armando de instrumentos, aparelhos e técnicas. Na complexa e cerebral arte de calcular, os dedos das mãos e dos pés (base dez) e as pedrinhas (calculus) carregadas no bolso, transformaram-se, primeiro, no ábaco (ainda em uso na civilização nipônica), depois, na máquina de calcular e, finalmente, no computador.
O sistema escolar luta, contudo, ferozmente para sobreviver à tecnologia, A inovação tecnológica penetra nas empresas, em lares, nas bibliotecas, nas indústrias. Só não consegue penetrar nas escolas! É patética a luta do professor de matemática contra a máquina de calcular existente no bolso de todo feirante e na mão das crianças. O professor de matemática continua a proibir o uso  da máquina!!! É óbvio: a máquina de calcular faz, em frações de segundos, os cálculos que ele leva semanas para ensinar às crianças. Não se pretende confundir o raciocínio matemático (as operações mentais) com o mecanismo estéril e automatizado dos cálculos (“a bagaceira dos cálculos”, como diz um grande matemático conterrâneo). O cálculo reduz-se, quase sempre, a um algoritmo (fórmula) automatizado de forma verbal, que pode ser recitado sem a mínima compreensão da operação nele implicita (poderia ser recitado em língua cujo recitador desconhece). Surge, agora, a máquina de corrigir ortografia, única tarefa a que vem se dedicando, durante os últimos séculos, o professor de vernáculo. O professor de vernáculo, ao “corrigir” (sic) a redação (redação não se corrige; expressa o nível verbal das operações mentais do autor), limita-se a assinalar os “erros” ortográficos (a ortografia é uma convenção sócio cultural que se impõe por decreto governamental).
As velhas habilidades, como se vê, vão sendo substituidas por processos maquinais realizados por robôs. O homem moderno vive apertando botões até para abrir portas. Há algum tempo, Carl Sagan deu origem a um magnífico curso de astronomia (última palavra na pesquisa científica) pela televisão (BBC), curso que pode ser adquirido em vídeo e levado para cassa por quem gosta de curtir este tipo de mensagem audio-visual. Em 1989, Gailbraith de um curso (A Era da Incerteza) pela televisão, via satélite. Os filmes de Cousteau revelam os mais inatingíveis segredos dos mares, da biologia, de regiões inacessíveis. Logo mais, poder-se-á comprar “meio quilo de química” no supermercado e levar para casa  para curtir nas horas vagas. Um disquete de computador gravou toda a Enciclopedia Britânica. O satélite põe, dentro de sua casa, um fabuloso banco de dados internacionalmente conectado. Se você quiser uma biblioteca de clássicos, pode comprá-la na banca de jornais. Uma coleção de livros de bolso fornece-lhe, a baixo custo, a literatura universal. Para que serve, então, a aula recitada na escola para cerca de vinte ou trinta alunos, numa sala apertada? A aula tradicional (lição) assemelha-se a um fóssil, diante da magnífica riqueza de um vídeo produzido com a colaboração dos mais acatados especialistas da disciplina, ilustrado com os mais requintados recursos audiovisuais (ver coleção de fitas que acompanha a Enciclopédia Britânica). A qualquer hora, o governo descobrirá que pode dispensar os professores e substituir suas aulas recitadas por uma estante de vídeos gravados pelas maiores sumidades do mundo científico atual (por esse processo pode-se receber aulas do próprio Einstein). Será possível que o magistério não perceba que acabou a “aula expositiva”? Não percebe que hoje, o professor tradicional é um anacronismo? Que os meios de comunicação de massa podem fornecer milhões de informações, indefinidamente repetidas ad nauseam e do mais alto nível?
“Ah, mas nada substitui o contato direto do professor com o aluno …”, alega o mestre. Mentira deslavada, pois já não há diálogo entre os participantes da díade pedagógica (professor x aluno). O professor atual corre de uma escola para outra, sem se fixar num determinado grupo de aprendizes, que recebem aulas de uma dezena de especialistas. E mesmo que houvesse, nada substitui a riqueza e o padrão da mensagem audiovisual. Os gravadores e os computadores são irreversíveis, dispensando tentativa frustrada de socar informações na mente (guardamos de memória apenas os dados indispensáveis a nossas atividades fundamentais: especialidade). A escola sempre teve por base “ensinar a ler”. Com a descoberta da escrita, os conhecimentos começaram a ser arquivados nas bibliotecas. A escrita é a descoberta fundamental da humanidade, tendo permitido a conservação e a transmissão da experiência humana para além do tempo e do espaço. Era para a transmissão oral ter se extinguido com o livro. Entretando, o discurso continuou a predominar na escola, anacronismo que jamais abandonou o sistema escolar. Agora temos os recursos eletronicos para agilizar a manipulação de informações, mas, como na Idade Média, o professor continua a “dar aulas”! Que estranho vício é esse que resiste a todas as invenções tecnológicas? Quando o professor critica esses modenos recursos técnicos, de fato critica seu próprio  comportamento, pois a televisão apenas amplia, indefinidamente, sua própria metodologia (aula expositiva). A televisão não é senão um “superorador” satelitizado, orquestrado por fantásticos recursos audiovisuais; não há diferença intrínseca entre o professor recitador e o speaker da televisão. Os laboratórios de línguas, por exemplo, descobriram que não tem sentido ou utilidade o professor ficar exaustivamente repetindo frases para os alunos tomarem como modelo. Passaram a tarefa aos gravadores que, inclusive, comparam a “performance” do aluno com o modelo (feedback). Por que uma aula de história não é apresentada em forma de filme, com a vantagem da dramatização?
É evidente que os meios audivisuais, usando a oralidade do sistema escolar, acrescentam apenas dados figurativos, não podendo promover a operacionalização. É aqui que se coloca o problema: transmitir o figurativo ou promover o operativo? É a radicalização do figurativo, através dos meios audiovisuais, que vai fazer vir à tona a tradicional falta de operacionalização do sistema escolar. Os vídeos (audiovisuais) mostram que a “aula expositiva”, mesmo acompanhada de visualização (recursos descritivos), é insuficiente para promover atividades operativas, limitando-se à representação mental (pensamento simbólico).
A televisão educativa - radicalizando o figurativo audiovisual - revela o calcanhar de Aquiles do processo escolar tradicional: um processo de mera memorização e automatização. Pela primeira vez, vamos destacar na aula: a) a apresentação dos dados (informação - figurativo) e b) a operacionalização (problemas - atividades inteligentes). A primeira parte pode ser feita com os satélites e os vídeos. A segunda, só com a atividade real do aluno (dinâmica de grupo). A rotina escolar vem sendo, séculos seguidos, desenvolvida através da oralidade, modernizada agora com a visualização - ambos processos figurativos. Ora, a atividade figurativa (cinema, televisão) não provoca necessariamente o raciocínio (operatividade), deixando apenas registros mnemotécnicos e reflexos condicionados.
O problema pedagógico (foi Piaget quem descobriu isso) consiste na atividade lógico-matemática da mente. E isso faz surgir um novo tipo de professor, parecido com o técnico do time de futebol: estimula mas não joga. É esta distinção elementar que os educadores ainda não percebem, quando confrontados com os robôs. Os meios figurativos (simbólicos) tornaram-se verdadeiras marés-montantes invadindo todos os setores, eliminando o conferencista tradicional. Esta avalanche tornou nítida a insuficiência destes processos, fazendo vir a tona o aspecto opertivo (organizacional) da aprendizagem, principalmente o aspecto que denominamos “atividade inteligente”. Chegou a hora da “Educação pela Inteligência” (a escola que tem por finalidade operacionalizar os dados fornecidos pelos instrumentos audiovisuais). É este “salto qualitativo” que o professorado e os administradores teimam em não dar, mesmo porque, numa “escola da inteligência”, a erudição não tem utilidade. Por incrível que pareça, foi a tecnologia dos recursos audiovisuais que está forçando uma  revolução fundamental no sistema escolar. Por outro lado, as máquinas e os robôs tornaram desnecessárias as habilidades individuais. O que fazer da aula tradicional de matemática diante da máquina de calcular? Diante disso, falar em “pedagogia dos conteúdos” é um anacronismo que põe em dúvida a honestidade intelectual dos mestres dos cursos de formação de professores e dos cursos de pós-graduação! Os “conteúdos” (conhecimentos, teorias, informações, etc) estão arquivados nas bibliotecas e, agora, nos “bancos de dados”. Mecanismos eletrônicos permitem que, pelo telefone, cheguem a nossas mãos, em fração de segundos. Por que insistir na inglória tarefa, historicamente fracassada, de memorizá-los !?  Os robôs (habilidades) e os gravadores (memórias) estão libertando a humanidade da sofrida tarefa histórica de “aprender” (no sentido clássico de “automatização”). Quando a natureza privou o homem de instintos (hábitos hereditários), foi para ele não recorrer ao automatismo (aprendizagens, reflexos condicionados, memorização). A ação do homem sobre o meio deve ser sempre um “ato inteligente”. É por isso  que ele cria máquinas e aparelhos encarregados de substitui-lo nas ações automatizadas.
Quando a escola entregar as rotinas estereotipadas aos robôs (televisão, gravados, computador, cinema, etc) e às máquinas, sobrará tempo para debater (reflexão em voz alta) e para refletir (debate em voz baixa). Finalmente o homem assumirá seu destino de animal racional! Veja-se bem: os meios eletrônicos não irão além da informação (apresentação de dados). Com os dados obtidos através de meios audiovisuais, começa a verdadeira atividade de “aprendizagem”: operar os dados (através da dinâmica de grupo). O que desaparece é a “conferência”, a aula expositiva ministrada pelo mestre-orador, a verborragia, ampliando o tempo destinado à atividade do aluno (pela primeira vez, a “aprendizagem” dar-se-á na própria sala de aula, dispensando provas e exames …). É preciso distinguir “conteúdos” (informações) e habilidades (“performance”) de operatividade (construção).  As informações são “aprendidas” (fixadas) pela memória (atividade simbólica figurativa). As habilidades são atividades que se automatizam, perdendo seu caráter inteligente (construção). Classificar, por exemplo, é uma atividade operativa que não pode ser memorizada nem automatizada. Os objetos classificados (forma, peso, cor, volume, etc) são os chamados conteúdos. Pode-se chamar, também, de conteúdo a forma estereotipada de arrumar os objetos, como se faz nas fórmulas matemáticas (algoritmos). Quem consegue classificar alguma coisa, sabe classificar tudo. O problema não é a bola. É saber jogar ...

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