terça-feira, 4 de março de 2014

Acomodação (aprendizagem e aumento de conhecimento)

Livro: PIAGET. Sugestões aos educadores
Vocabulário
Introdução aos conceitos fundamentais das teorias de Jean Piaget.   
Editora VOZES
Lauro de Oliveira Lima
Acomodação (aprendizagem e aumento de conhecimento) (Pág. 146/147)
Obs: As palavras acima são referências que lhe ajudarão a compreender melhor a palavra em destaque.


reestruturação invenção evolução
"aprendizagem" descoberta comportamento
problema dificuldade conformação
perturbação pedagogia
agressão do meio reorganização
assimilação cibernética
esquema de ação feedback
paradigma regulação
reconstrução imitação
combinatória jogo simbólico
novidade complexificação




            A acomodação é a reestruturação do esquema (estratégia) de assimilação (não há acomodação senão no curso de uma assimilação). A acomodação é a “aprendizagem” ou o aumento de conhecimento, modificação operativa na forma de agir (pensar). Diante de uma dificuldade (problema), o organismo (a mente): a) recua ou desiste da atividade; b) deforma a situação (mecanismo de defesa ou jogo simbólico) para adaptá-la aos esquemas de assimilação; c) reestrutura o esquema de ação (acomodação). Adaptação. Feita a reestruturação, o organismo (a mente) passa a dispor de um novo esquema de ação que deve ser alimentado (diz-se que houve uma “equilibração majorante”). Essa forma de agir ocorre em todos os níveis do desenvolvimento. A “mudança de paradigma” na pesquisa científica é simplesmente uma “acomodação”. A teoria anterior (esquema de assimilação) não conseguiu explicar (assimilar) totalmente a situação. Quando a criança de colo modifica sua maneira de agir para superar uma dificuldade, faz uma acomodação. Por aí se vê que o aumento de conhecimento (aprendizagem) depende de uma reestruturação do comportamento (motor, verbal ou mental), provocada por um problema (e aí temos uma nova pedagogia). Desta explicação piagetiana decorre o axioma: “não se aprende nada inteiramente novo” o conhecido corresponde à assimilação (o novo é a acomodação). Piaget já quase não falava em assimilação-acomodação. A teoria da equilibração ou da auto regulação explica melhor o que ocorre entre o sujeito e o meio. Note-se que a acomodação pode ocorrer entre esquemas (os esquemas se assimilam mutuamente), caso em que, em vez de adaptação ao meio, houve reorganização motora, verbal ou mental). Quando o organismo (a mente) perde a capacidade de reestruturar-se, o organismo (mente) deixou de desenvolver-se.
            Na linguagem cibernética (que Piaget adota em parte), a acomodação é o efeito do feedback (regulação), com a diferença de que Piaget fala em “equilibração majorante” ou ultrapassagem (complexificação da estrutura). A acomodação é a subordinação do organismo ao meio (a imitação é o melhor exemplo de acomodação). Há assimilação sem acomodação (jogo simbólico das crianças) mas não há acomodação sem assimilação, mesmo porque a assimilação é uma reestruturação da acomodação. – v. Adaptação

A acomodação consiste na complexificação (combinatória) de esquemas anteriores (aumento de mobilidade do esquema). Para Piaget, a evolução é também uma acomodação (“o comportamento como motor da evolução”). Note-se que a expressão acomodação nada tem a ver com o seu sentido corriqueiro (conformação). É precisamente o contrário um esforço de reestruturação para enfrentar as perturbações do meio.

Conceitos de Afetividade - Vocabulário

Na segunda parte do livro do Professor Lauro de Oliveira Lima, “Piaget, Sugestões aos Educadores”, Editora Vozes, encontramos um verdadeiro tesouro para aquelas pessoas interessadas no estudo dos conceitos fundamentais de mestre genebrino.
Com o título, “Vocabulário. Introdução aos conceitos fundamentais das teorias de Jean Piaget”, o professor Lauro de Oliveira Lima explicita noções fundamentais das mesmas que nem sempre aparecem de forma clara nas diferentes traduções e versões, isto somado às próprias dificuldades que os conceitos específicos apresentam.
Neste blog selecionaremos alguns desses conceitos para que o leitor experimente a grande valia deste vocabulário como guia ou orientação de seus estudos.
Também colocaremos frases do professor e de outros pensadores que aparecem no Vocabulário e que são pequenas gotas de epistemologia genética que nos fazem pensar y refletir.
¡Boa leitura!

“Vocabulário. Introdução aos conceitos fundamentais das teorias de Jean Piaget”.
Conceito: Afetividade
(página 150)
forma                                                               estratégia                                           motivação
escala de valores                                            neuroquímica                                     adrenalina
energética                                                       necessidade                                        tônus
Para Piaget os fenômenos psicológicos são sistemas diferenciados de atividade (motora, verbal e mental). A atividade tem duas variáveis: a) uma forma ou estratégia e b) uma energética ou tônus. Estratégia é a inteligência, e a energética, a afetividade. A energética varia de acordo com a necessidade (motivação). O grau de pressão da atividade determina o nível de interesse e os dispêndios de energia. Uma atividade (motora, verbal, ou mental) se realiza com maior o menor grau de interesse (Tônus ou afetividade). O indivíduo esfaimado, por exemplo, come com mais sofreguidão. O jogador empenhado na vitória do seu time joga com alto tônus energético. Quanto mais um objeto (e o objeto pode ser uma pessoa) corresponde à satisfação de uma necessidade (e quanto mais a necessidade é fundamental) mais “afetado” (energizado-tonificado) é o comportamento (motor, verbal ou mental). Cada indivíduo estabelece uma escala de valores ou de prioridades com relação às suas necessidades, podendo fazer de uma delas, por exemplo, um ideal ou objeto (pessoal) privilegiado de seu “amor”. Se compararmos o comportamento com uma partitura musical podemos dizer que a variação sequencial das notas na pauta é a inteligência e as notações sobra a forma de execução a afetividade.

“No desenvolvimento do pensamento operatório, o problema é compreender as relações e as transformações”. (L.O.Lima)

“Aqueles que, neste país, há tanto tempo, refletem sobre os métodos usados no ensino primário, estão cada vez mais convencidos de que são péssimos porque não são adaptados ao estádio mental, moral, e físico das crianças” (USA – Sheldon, 1967).

domingo, 13 de outubro de 2013

PROFESSOR - ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA... - PARTE 3 (FINAL)

Livro: PEDAGOGIA: REPRODUÇÃO OU TRANSFORMAÇÃO
Lauro de Oliveira Lima Editora Brasiliense. Primeiros Voos Nº 9 /1982
PROFESSOR - ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA...
Terceira parte
A velha desculpa para o exercício desta guerra de opereta entre alunos e professores era que o mestre, sendo o guarda do conhecimento, da sabedoria, da perícia, precisava exercer a autoridade para transfundi-la na cabeça dos alunos, pois o enchedor de garrafas não pode trabalhar numa mesa que treme... Os velhos, nas civilizações antigas, eram respeitados (gerontocracia) precisamente por este motivo: precisamente não havendo escrita, tornavam-se os guardas da sabedoria, da experiência, da tradição, de tudo. É absolutamente idêntico o papel dos professores (gerontocratas)...  Mas esta desculpa já não vale: os conhecimentos, hoje, estão na bibliotecas, nos bancos de dados, nos satélites, na televisão, no cinema, nos gravadores, nos videocassetes. A humanidade descobriu, com a escrita, um meio para PRESERVAR a memória do grupo social sem depender dos velhos e dos professores. Os alunos, ao aprenderem a ler, deixam de precisar de recitadores (o lente medieval). Os computadores podem criar complexas situações de autoaprendizagem, dispensando, completamente, professores, reprodutores. Um armário de tapes de televisão substitui, hoje, por preço imensamente mais barato, toda a atividade do corpo docente com a vantagem (para os patrões) de tape não fazer greve... O professor-autoridade, o professor-conferencista, o professor-expositor ou explicador, o velho duce que nos legaram as civilizações clássicas e medieval... é uma “espécie em extinção”, como os dinossauros, diante da tecnologia moderna. Está nascendo uma nova espécie de professor...
A crítica a este fóssil sobrevivente dentro de uma civilização tecnológica vem de muito longe- Rousseau (1712) já dizia que “a mania pedantesca do mestre é sempre ensinar às crianças aquilo que elas aprenderiam melhor por si mesmas”. B. Shaw já captara com sua ferina ironia o erro fundamental da profissão magisterial: “se você ensina algo a alguém, ele não o saberá jamais”. Mais recentemente, os dois respeitados mestres da moderna epistemologia sentenciaram: a) G. Bachelard: descobrir é a única maneira ativa de conhecer: correlativamente, fazer descobrir é o único modelo de ensinar”. b) Jean Piaget: “tudo o que se ensina à criança impede que ela descubra ou invente”. Hans Aebli analisou, contundentemente, o método heurístico (chamado por uns “dialogal” que pretende substituir o velho discurso (exposição) do comandante ante as suas tropas ou de pregador perante seus fiéis (professar= proclamar, fazer confissão de fé). O método heurístico (dialogal) é intermitente (como o gorgolar da água que sai em golfadas da garrafa), fragmentário (atomiza a situação, o conhecimento, a teoria, em mil fragmentos deglutíveis, produzindo a perda de noção de conjunto) y sofístico (o condutor do diálogo- e Sócrates seu inventor era um sofista- pode dirigir a “discussão” para a conclusão que bem entender como se pode demonstrar através da técnica de “direção de conferências” que os norte-americanos ensinam aos executivos para dominarem as assembleias dos acionistas- ver Escola no futuro (de Lauro de Oliveira Lima. Ed. Vozes). Como se vê, nada resta como método expositivo (chamado na gíria escolar de “método da salivação” ou de “cuspe e giz”) ao moderno professor, consistindo o “método heurístico” ou “dialogal” um disfarce para salvar a figura do antigo pater famílias (o guia espiritual que, como o psicanalista moderno, termina ocupando, na mente do educando, o lugar da consciência). O que se busca, hoje, é “a morte do pai”, seja ele o tirano jupteriano ou o paciente guia espiritual que se transforma em guru “fazendo a cabeça” dos prosélitos. E sem pai para conduzir os indivíduos, só existe a “dinâmica de grupo” (grupo autônomo ou democracia).
O moderno professor (se não quiser ser eliminado pela televisão educativa, que leva, instantaneamente, o “discurso” a milhões de ouvintes, “discurso” que elimina todas as falhas), o moderno professor deve tornar-se mero animador que estimula atividade sensório-motora, verbal e mental dos alunos, propondo situações de complexidade crescente. Os verdadeiros educadores, já se vinham comportando assim em todos os tempos (mas como são raros verdadeiros educadores!). Em vez do diálogo entre mestre e aluno (situação fundamentalmente oblíqua e paternalista), o diálogo de todos com todos (democracia), o que se denomina discussão (ver Dinâmica de grupo no lar, na empresa e na escola- editora Vozes e Os mecanismos da liberdade, Editora Polis, ambos de Lauro de Oliveira Lima). O personagem moderno que mais se aproxima do modo como se deve comportar o professor atual é o técnico do time de futebol: orienta, dá instruções, corrige, estimula, mas não joga: “o professor não ensina: ajuda o aluno a aprender” (ver Escola Secundária Moderna, de Lauro de Oliveira Lima, editora Universitária). A microssociologia fornece, hoje, todos os elementos para fazer os alunos “jogarem”. Como se vê, voltamos às origens do sistema escolar: scholé (lazer) e ludus (jogo), pois o processo de desenvolvimento da criança só pode ser conduzido através de atividades livres, a partir das situações problemáticas que expandam o pensamento em todas as direções possíveis em busca de originalidade (“abertura para todos os possíveis”). O professor é como o agente catalítico cuja presença estimula e desafia as crianças que “jogam” (a discussão, mesmo em seus mais altos níveis, é um jogo). Nesta perspectiva, o ápice do êxito do professor é TORNER-SE DESNECESSÁRIO, suicídio profissional que só pode ser praticado pelos educadores que, em vez de fazerem da classe um palco para seu HAPPENING, fazem dela uma plataforma donde os jovens autônomos alçam voo para outras galáxias! ...
Há séculos os professores avaliam os alunos (metade do tempo dos cursos de formação de professores gira em torno do manejo desta arma mortífera sem a qual não haveria escola). Está na hora de os alunos avaliarem, também, os professores. Toda atividade que não sofre feedback (retroalimentação), incorporação corretora do efeito sobre a própria ação, auto regulação cibernética, tende a degenerar-se: a atividade do magistério é uma das poucas que não sofre censura, mesmo porque o fracasso é atribuído aos alunos (ver Escola Secundária Moderna, de Lauro de Oliveira Lima, editora Universitária). Se os professores recebessem o feedback de suas aulas (de sua atividade docente), disporiam de riquíssimo meio de auto aperfeiçoamento contínuo. Mas para isto é preciso primeiro renunciarem ao mandarinato e transformarem-se em técnicos de time... A moderna psicologia verificou que “quem acabou de aprender é quem está mais apto a ensinar”, isto porque ainda guarda a lembrança dos rodeios que foram que foram necessários para a aprendizagem (dinâmica de grupo). Os professores, pois, poderiam aprender de seus melhores alunos se não se fixassem na atitude de capatazes encarregados de fazer os operários trabalharem para o patrão...

PROFESSOR - ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA... - PARTE 2

Livro: PEDAGOGIA: REPRODUÇÃO OU TRANSFORMAÇÃO
Lauro de Oliveira Lima Editora Brasiliense. Primeiros Voos Nº 9 /1982
PROFESSOR - ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA...
Segunda parte
Na raiz da palavra educação está o étimo dux, ducis, que em latim significa condutor, general, imperador, donde os franceses denominarem o magistério de mandarinato (não se deve esquecer que educere em latim significa, também, puxar a espada). O termo mestre ligado a dominus = dono da casa) é derivado de magis (mais) indicando o especialista, mestre-de-obras, contramestre (maître penseur) que conduz, na obra, os que não têm perícia. A palavra professor (do latim profieri, ir na frente gritando, ter uma profissão) lembra o procedimento dos vaqueiros que conduzem a manada aboiando (o aboio é uma espécie de melopeia sem palavras, parecida com o cantochão, cuja função é embalar o gado tangido através das veredas das caatingas). Lente, (lector, em latim) era, na Idade Média o indivíduo que lia para os alunos analfabetos (não havendo livros, não havia interesse em aprender a ler) os pergaminhos e os papiros, religiosamente guardados na biblioteca da universidade. O lente terminava por decorar o texto, passando a recitá-lo de cor, prática que veio até os nossos dias e que parece muito mais “brilhante” que as que usam ainda a sebenta, hoje transformada (sic) em “fichas de consulta” ou em retroprojetor... O professorado não tomou conhecimento da descoberta do poder multiplicador da imprensa e seus derivados (mimeógrafo, gravador, xerox, etc.) continuando a expor, oralmente, lições como faziam seus companheiros medievais que só dispunham de recitação. Desta forma os alunos não chegam sequer a aprender a ler... Instrutor (instruere), era entre os romanos, aquele que punha o exército em ordem de batalha, motivo talvez por que se reservou o termo para os professores de educação física e para os mestres de ofício. O termo mais comum, hoje em dia, para o processo pedagógico é ENSINO, tendo-se abandonado a expressão EDUCAÇÃO. Ensinar (do latim, in signum) significa “dar ou colocar um sinal”, cunhar ou assinalar algo, ato parecido, grosseiramente, com a atividade dos pecuaristas que marcam com ferro em brasa sua criação (e note-se que criação e criança têm a mesma etimologia. A diferença entre o “assinalamento” (marcação) do gado e o “ensinamento” (educação da criança) é que, em vez de ferro em brasa, os professores marcam os educandos com medalhas, notas e diplomas... É que a educação deixou de ser “criação” (nos dois sentidos do termo) para ser “diplomação”. O diploma é, precisamente, o documento que “assinala” (dá um privilégio) novidade histórica que só aparece no sistema escolar quando se torna mais nítida a divisão da sociedade em classes (o diploma passou a funcionar como “sinal” – ensino -  de “nobreza”). Mas só as autoridades tradicionais podem dar diploma (privilégios), donde a expressão catedrático aquele que senta na cadeira (cátedra) como imperador. Já não se trata, pois, de conduzir a tropa (educere), pois a guerra acabou mas da distribuição de benefitia (privilégio) feita pelo suserano, segundo seus caprichos (e como são caprichosos os professores, cada um com suas idiossincrasias). Como se tornam petulantes e enfadados quando estão certos do seu poder! Parecem o imperador, no circo, decidindo com o polegar para baixo quem deve morrer... Aprender (aptendere) é “pegar no ar” algo que foi jogado, como se faz quando alimentam-se os cães: joga-se o naco de carne para ser abocanhado, num pulo pelo animal. O professor joga, também, o “ensino” no ar, e o aluno que “apreenda” (aprenda) se quiser e como puder... Nenhuma semelhança com a mãe que ensina o filho a andar e/ou com o mestre que ensina o ofício ao aprendiz: os exames garantirão a eficiência do conferencista...
Através de todos os tempos e em todos os lugares, o professor foi sempre um tiranete que, inclusive, podia punir fisicamente seus discípulos, isto é, aqueles que estão sendo disciplinados (em latim, disciplina significa tanto ordenação como a “matéria” que se ensina). Se perguntarmos aos professores o que mais esperam de seus alunos, responderão uníssonos: respeito (e respeito, em latim, significa olhar para trás, demonstrando medo) quando seria de esperar-se que preferissem ser amados pelos alunos. A suprema ofensa dos alunos aos mestres é desrespeitá-los, isto é perder o temor a eles e passar a trata-los como parceiros. A virtude que mais se caracteriza é a autoridade, ato de tomar posse de algo ou de alguém. A hipótese seria que se estabelecesse um cordão umbilical entre o aluno e o mestre (aluno significa, em latim, aquele que é alimentado). Mas como amamentar um ser que nos teme?
Mais que conhecimento da matéria, o mestre exige do aluno bom comportamento (bem-comportado não é só aquele que transporta coisas com cuidado, mas também aquele que está “parado no porto” ou “por trás das portas” notando-se que, modernamente, a palavra comporta significa imensas placas de ferro que impedem o fluxo das águas de uma represa.)
Todos os ditadores têm, invariavelmente, cuidado com a “educação” dos jovens (meio de perpetuar sua ditadura) introduzindo no curriculum, sempre, esta disciplina denominada “moral e civismo” espécie de RDE (regulamento disciplinar do exército) para as novas gerações. A rebeldia é a suprema falta para os tiranos, e o bom “comportamento”, o objetivo final da educação, donde deve ser conduzida por um capataz. O professor foi sempre um chefete ou cacique com a agravante de exercer seu poder sobre crianças, o que se assemelha caricaturalmente à autoridade do EUNUCO sobre as odaliscas do harém do sultão. Muitos professores agem como condottiere ou führers frustrados (como os síndicos dos prédios de apartamentos) que exercem sua vocação em situação de “faz-de-conta” (“cachorro em curral de bezerros” - como diz, pitorescamente, um romancista conterrâneo). Em vão alguns educadores propuseram, há muito tempo, a adoção do self-government república escolar ou governo autônomo como método de disciplina: estes mandarins jamais abdicariam deste seu reinado de Gulliver no país dos anões...

PROFESSOR - ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA... - PARTE 1

Livro: PEDAGOGIA: REPRODUÇÃO OU TRANSFORMAÇÃO
Lauro de Oliveira Lima Editora Brasiliense. Primeiros Voos Nº 9 /1982
PROFESSOR - ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA...

Primeira Parte

Se num hospital os doentes começarem a morrer sistematicamente, a primeira suspeita é que os médicos são incompetentes. Se o edifício ameaça ruir ou as barrancas da estrada deslizam, todos apontam o engenheiro que os construiu como responsável. Se as safras anuais não alcançam o nível de rendimento previsto, provavelmente os agrônomos não exerceram bem suas funções. Se a empresa vai à falência, é que tem um mau administrador. Mas se os alunos não aprenderem... se são reprovados em massa, é que o professor é rigoroso! ... Em síntese, o professor é o único profissional acima de qualquer suspeita. Segundo afirmam os manuais tradicionais de pedagogia, a função do professor seria ensinar, e “se o aprendiz não aprendeu o professor não ensinou” – diz um slogan do TWI, método de ensino criado durante a última guerra pelos norte-americanos para apressar o treinamento de pessoal destinado às indústrias. Já é tempo de parar com esta mania de atribuir-se todo fracasso escolar aos alunos. Os genitores, por exemplo, mais honestos que os professores, criaram uma ESCOLA DE PAIS, na qual procuram descobrir seus próprios defeitos e falhas.
É preciso inventar um sistema de avaliação da competência e da personalidade do professor, sobretudo considerando-se que para esta profissão, salvo as exceções de praxe, acorrem os que não têm competência e/ou coragem para enfrentar o vestibular das “grandes escolas”, como medicina e engenharia. Nos cursos superiores de matemática, física e de biologia, invariavelmente optam pelo magistério os piores alunos, como se as escolas fossem a lata de lixo profissional. É sabido que os profissionais que fracassam em suas próprias profissões, vêm, quase sempre, refugiar-se no magistério. Os baixos salários pagos aos professores afastam desta carreira as inteligências mais brilhantes. Todas estas causas que se acrescentam ao desprestígio histórico da função (na Alemanha, por exemplo, os mutilados de guerra eram nomeados professores, sem se indagar sobre sua formação), reduzem o magistério à verdadeira sucata profissional, de onde emergem, aqui e ali, mas raramente, como a flor dos pântanos, verdadeiras “vocações” de educadores.
Existe uma constelação de especialistas (orientador, instrutor, repetidor, ortofrenista, logopedistas, neuropsicólogo, psicopedagogo, etc.) cuja função é recuperar os alunos que não conseguem aprender. As faculdades de psicologia expelem, anualmente, verdadeiro exército de especialistas em psicologia clínica (psicoterapia) cuja clientela serão os “mutilados” do sistema escolar, e ninguém suspeita quem seriam os responsáveis por esta “carnificina”. Nenhuma empresa, instituição, indústria, hospital trabalharia com a cota de fracasso do sistema escolar (evasão e reprovação), fato que vem de longe sem sensibilizar os professores e administradores resposáveis por este insucesso catastrófico. É imensa a literatura sobre crianças que não obtêm bons resultados nas escolas, e em torno delas fervilha um exame de especialistas cujo êxito profissional depende do fracasso escolar. Se o sistema escolar, de repente, ganhasse eficiência quanto à aprovação e a evasão, milhares de especialistas ficariam sem emprego e os quadros administrativos implodiriam por excesso de matrícula. Não existe, contudo, um único livro sobre a “incompetência dos mestres” para não se falar em ausência de diagnóstico referente a professores narcisistas, sádicos, ignorantes, blasés, enrolões, irritadiços, imaturos, neuróticos, etc., presença ameaçadora cuja hipótese dever-se-ia levantar, mesmo que não fossem sintomáticas as condições de recrutamento do magistério. Há professores que sequer aprendem a falar em público, apesar de precisarem passar a vida toda discursando... Quem ministra cursos de reciclagem sabe como o magistério está repleto de indivíduos imaturos, com grave problema pessoal, incapazes de enfrentar situações de tensão y de transmitir aos jovens um modelo de personalidade resolvida, donde não terem a mínima condição de motivar seus alunos para uma atividade produtiva. As crianças e os jovens, como os cães, logo percebem que o professor é mais inseguro que ele próprio y que nada dele poderão obter em matéria de orientação vital (Lebensplan). Jamais poderiam portanto, adotar processos didáticos, como a “dinâmica de grupo” em que explodem todos os problemas soterrados pela repressão familiar, escolar e cultural (a metodologia adotada não decorre, portanto de posições teóricas e / ou do reconhecimento da superioridade técnica de determinados processos pedagógicos, mas de problemas de insegurança pessoal). Provavelmente, grande parte do fracasso escolar é culpa exclusiva dos professores e da imensa máquina burocrática em que está encastelado (do bedel ou inspetor de classe ao Ministro da Educação).
Só teoricamente o objetivo do professor é ensinar. A maioria dos professores comporta-se como carcereiros ou guardas que vigiam o trabalho forçado dos presídios. Não tem a mínima preocupação sobre se está havendo, de fato, aprendizagem, certos de que dispõem das provas e exames para forçarem os alunos recalcitrantes a estudar (a parca aprendizagem que aparece nunca ocorre em classe, mas nas vésperas dos exames, portanto como efeito da coação). Grande parte de seu tempo é dedicada à disciplina, como ocorre no exército.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Movimento Construtor e a Pesquisa Ativa (Mutações em Educação)

Mutações em educação segundo Mc Luhan
COSMOVISÃO 1. 1984 Editora VOZES 17º edição Lauro de Oliveira Lima
21 “Uma rede mundial de ordenadores tornará acessível, em alguns minutos, qualquer tipo de informação aos estudantes do mundo inteiro” (pág. 49)
Um enorme arsenal de máquinas de ensinar (cujo arquétipo máximo será o computador) está sendo, aos poucos, preparado para complementar a atividade escolar. Prevê-se a substituição das       bibliotecas (?) por uma central satelitizada de computadores que fornecerão aos consultores qualquer informação que a humanidade tenha disponível. Pode-se imaginar como se tornarão ridículos os indivíduos eruditos (estas máquinas ambulantes de informação) quando a informação estiver à disposição de todos com um simples gesto de tocar um botão.
Pela televisão só a procuram quando a mensagem lhes interessa (Mc Luhan talvez esteja redondamente equivocado se tomarmos “o meio é a mensagem [massagem] ao pé da letra). Um quadro mural pode permanecer semanas na sala de aula sem que ninguém atente para ele, quase ninguém sabe descrever, de chofre, o mostrador do seu relógio... Falta ainda aos especialistas das RAV criar a “didática dos instrumentos de informação” a qual (segundo a teoria da assimilação de Piaget) é o
MOVIMENTO CONSTRUTOR E A PESQUISA ATIVA.
(atividade perceptiva)

Todas as técnicas escolares de fixação de aprendizagem serão consideradas como processo de robotização uma vez que é nos computadores que as informações serão acumuladas. O fichário particular, que fez a glória de tantos eruditos, passará a ser (multiplicado ao infinito) patrimônio coletivo: ninguém se dará ao trabalho de fichar dados se eles estão disponíveis na mesa de cabeceira através de um interruptor. A citação de extensas bibliografias que tanto envaideciam aos eruditos será uma inutilidade, mesmo porque não haverá mais “conhecimento privado”: todo o conhecimento da humanidade estará à disposição de todos. Ora, se o conhecimento planetário está contido nos computadores e disponível, para que passá-lo para a cabeça dos alunos? Só esse fato implica numa modificação total dos objetivos escolares. Aprender, no sentido skinneriano de resposta (learning) provocada automaticamente será o maior percalço do trabalho escolar: todo o cuidado do professor será não fixar respostas –padrão que obstruam a diversidade e a criatividade. Se um computador fosse preparado para criar e inventar soluções originais não poderia ter memória: uma memória é uma estereotipia do processo. Os computadores existem justamente para reproduzir ad nauseam, os pensamentos pensados pelo seu programador. Ora que vem fazendo a escola até hoje senão programar os alunos? Não é em vão que a atividade docente pauta-se por um programa...

segunda-feira, 24 de junho de 2013

O Método Psicogenético - Parte III (Pedagogia: Reprodução ou Transformação (Lauro de Oliveira Lima)


Livro: PEDAGOGIA: REPRODUÇÃO OU TRANSFORMAÇÃO
Lauro de Oliveira Lima Editora Brasiliense. Primeiros Voos Nº 9 /1982
O MÉTODO PSICOGENÉTICO
Parte III
Se a inteligência, pois, desenvolve-se tanto ontogénica (individualmente) quanto filogeneticamente (complexidade do produto social), isto é, se a inteligência é uma construção histórica que, no caso da criança, acompanha seu crescimento biológico, (na medida em que o meio apresenta estimulações), a forma de educar deve ser PSICOGENÉTICA (educação pela inteligência).
O método psicogenético, pois, consiste em acompanhar, passo a passo, o desdobramento das possibilidades genéticas do crescimento das crianças para apresentar situações que estimulem a construção de estruturas “cada vez mais móveis, mais complexas, mais amplas e mais estáveis”. E em que consiste “criar condições”? Consiste em criar situações graduadas e sequenciais (de acordo com os estádios de desenvolvimento) em que o comportamento (sensório-motor verbal e mental) seja “forçado” a construir estas estruturas (equilibração entre assimilação e acomodação ou autorregulação entre o organismo e o meio: equilibração majorante). O organismo (a mente) só faz o esforço de construir novas estruturas, se entrar em desequilíbrio, isto é, se tiver que enfrentar um problema. Se não há desequilíbrio, se a situação não é nova e problemática, o organismo (a mente) tende a permanecer como estava (como é óbvio). Mas os organismos não vivem isolados (já vimos a importância da “população” no processo vital). Ora, o homem não é social (por instinto): tem que se socializar (aprender a cooperação). Desta forma a situação nova (problema) não deve ser proposta ao indivíduo, mas ao grupo. Ao resolver cooperativamente o problema, o indivíduo socializa-se. E aí temos os dois marcos fundamentais do método psicogenético: a) criar situações-problema compatíveis com o nível de desenvolvimento e b) estimular a dinâmica de grupo (afetividade, cooperação, socialização).
A atividade que se solicita do educando, pois, é inventar modelos de ação (podendo transformá-los em teorias, doutrinas, objetos, ferramentas, máquinas) e descobrir como funciona a realidade (criar, inclusive, modelos que ajudem a compreender a realidade). As disciplinas que concretizam modelos de ação são a matemática, a lógica, a moral, o direito, a política, a linguística, etc. e as que descrevem como funciona a realidade são a física, a química, a geologia, etc. e aí temos os dois polos entre os quais oscila o processo educativo: a) desenvolvimento progressivo da operatividade (subjetividade) e b) reconhecimento ou construção da realidade (objetividade). Na ultimação do primeiro processo (a) estão o pensamento operatório e o dialético. Quando ocorrem, têm por objetivo fornecer meios de ação eficazes e efetivos (êxito) ao indivíduo (comportamento procedural). O segundo processo (b) ocorrendo, tem por objetivo permitir ao indivíduo a concepção do modelo da realidade em que está inserido (compreensão – comportamento presentativo).
Mas o ser humano é capaz de a) ter desejos incompatíveis com as possibilidades de realização e b) dar interpretações imaginativas da realidade, cujo nexo é apenas a significação (“tudo pode significar tudo” = função semiótica). É o reino do vivencial e do afetivo objetivado pelo jogo simbólico (imaginação) e pelos produtos artísticos, reino em que o êxito e a compreensão são meros faz-de-conta. Por não ser objetivo este plano de ação, no deixa de ser essencial (em muitos momentos é o único que conta, como em alguns momentos lúdicos e nos altos níveis de afetividade). A educação não pode ignorar este aspecto fundamental do ser humano em que envereda na fantasia da imaginação e na onipotência dos desejos (pensamento simbólico ou função semiótica).

A construção destes modelos (sensório-motor, verbal e mental) é descrita por uma ciência denominada psicogenética. Mas quando a criança aparece no contexto histórico da vida grupal, já existe acumulado vasto arsenal de conhecimentos (em forma mental, verbal ou material), produtos culturais em suas formas terminais (não revelam, à primeira vista, o processo de sua construção: o número, por exemplo, aparece como noção sem história, o que não é verdadeiro, como se comprova). Descobrir como o conhecimento acumulado se formou ao longo da história da humanidade (como se a humanidade fosse um só homem que aprendesse, indefinidamente) constitui, hoje, uma ciência denominada epistemologia genética (história da noção de medida, por exemplo). Saber esta história ajuda, fundamentalmente, a criar situações para o desenvolvimento destas noções na criança. E aí temos as duas condições fundamentais da formação do futuro professor: psicogenética e epistemologia genética.
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